31 agosto 2007

1/2 PARA SABER - (poema)




Um olhar
Um breve olhar
Para saber o teu pensamento
Um segundo
Meio segundo
Para entender o teu pensamento
E saber
E entender
E não querer
Eu penso o que não sei
Eu não entendo o que penso
Não quero entender
Nem quero olhar.
Nem um segundo
Nem meio segundo.
- Mariana Candeia - 04/02/07 - Flamengo (Rio)

O ESPELEOLOGISTA SUBAQUÁTICO - (poema)

Tudo ia se tornando, a cada dia, a cada instante mais explícito.
Daquilo que era profundamente submerso, alcança agora a superfície.
E chega lindo, esplêndido, cheio de cores e luz
Na superfície calma e morna.

Com o mesmo delineamento, com a mesma força e a nudez
Que já se sentia...antes mesmo de ver.
Paradoxalmente tranqüilo e avassalador
Traz junto a singularidade e a essência

Mas como? Algo outrora tão secreto, emerge inesperadamente?
"Para algumas coisas não há explicação", ele disse uma vez.
Nada mais certo...

Atividade de elevado grau de risco,
Para explorar ressurgências profundas e desconhecidas.
Desafiadoras

Agora, não apenas a exploração
Agora, a preservação

Da maior descoberta de todos os tempos....

NATURALMENTE DESNATURADO (artigo)

Natureza é no sentido literário o mundo material em que vivem os seres vivos, humanos e não-humanos; lugar que reúne os elementos do mundo natural. Natureza é o próprio cenário natural, é o universo com todos os seus fenômenos. Natural, então, é tudo aquilo que pertence ou se refere à natureza, que é produzido por ela. Onde não ocorre trabalho ou intervenção humana e que decorre normalmente da ordem natural das coisas.
Primitivamente o trabalho humano era mais uma interação do que uma intervenção, pois existia uma veneração diante da natureza. O processo de intervenção na natureza começou a partir do homo habilis (quando se inventou o instrumento) entre 2 a 1,6 milhões de anos atrás. Tornou-se uma constante a partir do homo sapiens (do qual nós descendemos diretamente) há cerca de 150 mil anos. E foi pelo trabalho que os seres humanos formaram as culturas como modelação de si mesmos e da natureza. Desde então, a lógica de ser-no-mundo configura-se por situar-se sobre as coisas para dominá-las e colocá-las a serviço dos interesses pessoais e coletivos.
Sabemos o quanto a intervenção humana na natureza se faz presente tantas vezes de forma agressiva e devastadora num processo social onde as idéias giram em torno de um progresso ilimitado. É este SER-NO-MUNDO que me interessa agora. Penso até que ponto estamos conscientes da verdadeira naturalidade das coisas e dos fenômenos que nos cercam.


Ser ou Ter?
O antropocentrismo reina à nossa volta e os acontecimentos passam a ter sentido somente na medida em que se ordenam ao homem e satisfazem seus desejos. No geral, as pessoas não são valorizadas pelo que são e sim pelo que têm. E o foco aqui não vai apenas em direção à super valorização aos bens de consumo que, na maioria das vezes, é o primeiro aspecto visível explícito desta inversão de valores. Esta inversão resulta também de valores declarados de uma sociedade não-inclusiva que segrega, voluntária e involuntariamente, pessoas que fogem de padrões estabelecidos como "normais", "adequados", aceitáveis, "saudáveis", etc.

Não é preciso fazer tanto esforço para observar o ambiente desumano ao qual estamos imersos e o qual ajudamos a construir. Fazemos realmente parte de uma cultura que massacra, discrimina e exclui o que "não presta", o que é "feio", o que é "deficiente". Em muitos casos, este tipo de visão e comportamento avaliativo e discriminatório acontece devido a ausência de uma educação moral suficiente, mas se olharmos com atenção ao nosso redor, em nossos círculos sociais, nossa família e em nós mesmos encontramos várias atitudes que reforçam esta lógica.

Uma contribuição do ocidente? Possivelmente, mas hoje não se pode mais definir o ocidente como região geográfica, ele está "impregnado" por toda parte. O intelectual francês, especialista em Terceiro Setor, Serge Latouche fala que: "O ocidente arrastou seu braço eletrônico por todo o planeta". E até mesmo países do oriente com toda a carga filosófica voltada para a espiritualidade sofre para romper com as barreiras arquitetônicas da exclusão.

O caráter mercantilista e competitivo de nossa sociedade deu sabores de improdutividade, incapacidade e sofrimento àqueles que não possuem ou que não atingem o ideal. Basta observar como são vistos os idosos, os pobres e os deficientes. A sociedade patológica vê o ser humano a partir de realidades frágeis e passageiras e, no entanto, ele merece ser visto na sua essência, existir na sua diferença, não contemplada pelos padrões.


Ainda Escravizados

São três os "ídolos" que sobrevivem a custo de sacrifícios humanos para manter o padrão de um mundo moderno: o Ter, o Prazer e o Poder. E a eles, incontestavelmente, somos escravos. Fazemos e reforçamos o nosso próprio aprisionamento através dos hábitos. O habitual se caracteriza por não acessar o possível, e sim o provável, o esperado, o testado. Ocorre que muito de nossos hábitos estão frente a frente com a inércia e a lassidão dificultando um campo de infinitas possibilidades de superação e crescimento das quais o ser humano é capaz. Temos urgência em saciar nossa sede, queremos ter acesso as coisas rapidamente, não queremos angústia, não toleramos sofrimento, queremos e fazemos por onde termos muita comodidade.
Comprar, obter, adquirir. Diariamente tem sido este o treino da nossa sociedade e de nós mesmos. Há algumas sutilezas neste nosso modo de ser-no-mundo que denotam o quanto somos escravos de nós mesmos. Isto está retratado em nossas relações na família, no trabalho, com os amigos, com os nossos companheiros(as), filhos, enfim, gestos repetitivos através dos quais realizamos nossas vontades, vivemos nossos prazeres e experimentamos nosso poder. Quantos de nós somos escravos do conforto, de um "porto seguro"? Quantos de nós somos escravos do medo, do estável, do "certo"? Quantos de nós somos escravos do ódio, da ira, da desarmonia? Quantos de nós somos escravos das paixões, dos vícios e das emoções?

Recentes descobertas científicas comprovam que somos dependentes de pensamentos e sentimentos, não somente sob o aspecto psicológico, mas, sobretudo e determinantemente pelo aspecto bioquímico. Somos viciados em substâncias que são liberadas pelo nosso organismo para suprir nossas necessidades, nossos vícios. Felizmente, também somos capazes de "desprogramar" estes mecanismos bioquímicos cerebrais.


Cuidar do Natural

Somos escravos de valores, pensamentos e sentimentos que desnaturam o que é natural, o que é essencialmente humano. São forças que desviam do caminho do existencial, do fenomenológico (as coisas são o que são) e do transpessoal (o que transcende) e que impedem que nos aproximemos de toda a experiência mais profunda com o que for mais essencial, mais natural. Desviam do cuidado não somente da natureza que nos cerca, mas também de nossa própria natureza.

A palavra cuidado deriva de cogitare-cogitatus (latim), cujo sentido é o mesmo que cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de preocupação. O cuidado somente surge quando a existência de algo ou alguém tem importância para mim. O que é realmente importante?

Há algo nos seres humanos que não deve ser esquecido e que não se encontra nas máquinas ou computadores: Sentimento - a capacidade de emocionar-se e de se envolver. Não sei, mas penso que talvez uma das piores doenças psicológicas do nosso tempo seja a apatia. A apatia que nos faz insensíveis, passivos ou indiferentes diante da "vontade de poder" que reduz tudo a objetos. É o sentimento que nos faz sensíveis ao que está à nossa volta, que nos une às coisas, que provoca o encantamento, que nos envolve às pessoas.

Teóricos da Psicologia como Freud, Jung, Rogers resgataram a centralidade do sentimento e a importância da compaixão e do cuidado. O autor Daniel Goleman, que escreveu sobre a inteligência emocional fala que "a mente racional leva um ou dois momentos a mais para registrar e reagir do que a mente emocional; o primeiro impulso é do coração, não da cabeça". Esta é a dinâmica básica do ser humano, somente aquilo que evoca um sentimento profundo, que passa por uma emoção, é o que nos deixa marcas permanentes.

A história nos apresenta pessoas que parecem ter sido privilegiadas de uma inteligência do coração: Jesus, Gandhi, Dalai Lama, Madre Tereza de Calcutá, São Francisco de Assis, dentre outros. Gandhi falava muito sobre a Verdade, e que encaminhava-se para ela não apenas com a inteligência, mas com o coração, o afeto e as emoções, com as suas limitações e a consciência delas, com as suas imperfeições e o desejo contínuo de auto-aperfeiçoamento. É uma apreensão existencial.

Jesus Cristo foi aquele que trouxe uma novidade para dentro da história, ele introduziu uma nova perspectiva de convivência humana e que era mais importante do que qualquer legislação. Trouxe a igualdade, a fraternidade, a liberdade e o amor. Era totalmente livre e desapegado, seu exercício foi libertar-se de si mesmo, de tudo que é apenas humano e poder perfurar seu próprio fenômeno e chegar ao sobrenatural. O sobrenatural nada mais é do que o natural, mas que é diferente de tudo aquilo o que percebemos com os nossos sentidos.

O Encontro Começa com Naturalidade
Já conquistamos muito em direitos humanos, mas esta é uma questão que só é superada quando encontramos valores que possam nortear novos rumos. Estamos e somos comprometidos com a constante criação do mundo. Há um estado natural de todas as coisas e em nossa volta há muitas pessoas que estão vivendo num estado de natureza desnaturado, o qual muitas vezes é desnaturado pelo próprio homem.

Destaco a figura de José da Trino, mais conhecido como Profeta Gentileza, que na perspectiva de um homem simples, em sua vivência da realidade e cultura brasileira, se volta para um sentido de humanização da vida na cidade contemporânea, no caso o Rio de Janeiro. O Profeta adota um novo modo-de-ser onde o princípio norteador de tudo é a gentileza. A gentileza como irradiação do cuidado e da ternura essenciais: "Gentileza gera gentileza".
Era, por muitos, confundido como maluco e visto como alienado, mas para isto tinha uma resposta: "seja maluco como eu, mas seja maluco beleza, da Natureza, das coisas divinas".

É um SER-NO-MUNDO que ressoa:

"GENTILEZA-AMORRR-BELEZA-PERFEIÇÃO-BONDADE-RIQUEZA-NA NATUREZA".