27 maio 2013

Linguagens em Ecopsicologia - (artigo)



"The complex interchange we call "language" is rooted in the non-verbal exchange already going on in between our flesh and the flesh of the world"
- David Abram - The Spell of the Sensuous -





Brotando no sertão paraibano, maio 2013
Em 2007, eu estava liderando, juntamente com mais dois instrutores,  uma expedição para a Outward Bound Brasil - OBB (http://www.obb.org.br), com um grupos de 14 jovens em situação de risco social  (média de 15-17 anos). Este curso estava acontecendo na Serra da Mantiqueira, no estado de S.Paulo, nas proximidades com Minas Gerais. O foco do curso era o desenvolvimento de valores e caráter humanos, alinhada com a missão da OBB - de desenvolver o potencial de cada indivíduo para cuidar de si, dos outros e do mundo à nossa volta; através de atividades desafiadoras. 

Em um dado momento do curso, planejamos uma atividade de formação da identidade grupal e um  "ritual de passagem". Esta atividade consistia de uma ascensão à montanha mais alta da região, seguida por um ritual de silêncio e contemplação e uma cerimônia com instrumentos indígenas (apitos e maracá) e urucum. Foram momentos incrivelmente fortes para o grupo inteiro. Na medida em que um aluno pintava o rosto de um colega com urucum, este verbalizava votos de paz e amor para com o outro e, assim, fomos nos pintando e nos fazendo grupo.

Acabada a cerimônia, descemos e fomos encontrar onde seria nosso acampamento para aquela noite. Já sabíamos que, naquele dia, encontraríamos um outro grupo, de adultos, que estava também em um curso da Outward Bound Brasil, mas, com o direcionamento na Formação de Educadores ao Ar Livre.

Antes do pôr-do-sol, encontramos o grupo de educadores e, foi muito bacana o encontro da nossa “tribo”, ainda todos pintados, com eles. Foi, neste momento, que encontrei com o Marco Aurélio Bilibio, conceituado psicólogo de Brasília (atualmente uma referência nacional em Ecopsicologia, tendo participado de importantes movimentos socio-ecológicos, incluindo a Conferência da Onu sobre Sustentabilidade Rio+20). Ali, justamente quando eu estava com meu rosto pintado de urucum, com meu espírito completamente integrado, e na força da unidade universal, fomos apresentados e, o Marco Aurélio olha para mim, bastante admirado e um grande sorriso no rosto e me pergunta: "O que é isso?"  Daí, dessa nossa conversa foi que eu entendi que o que eu fazia tinha um nome: Ecopsicologia.

O que é Ecopsicologia?

Uma nova área da Psicologia? Tal como a: Psicologia Organizacional, Psicologia Escolar, Psicologia Clínica, Psicologia Jurídica, Psicologia Hospitalar?

A primeira definição "formalizada" do campo da Ecopsicologia foi dada pelo historiador social americano Theodore Roszak, em: “Voice of the Earth” (1992). Ainda na década de 70 o Roszak já tinha escrito algumas idéias centrais deste campo. Em “The Nature of Sanity”(1996), ele aponta para a importância de que os psicólogos, ao invés de analizarem e rotularem exaustivamente diversas formas de disfunção na sexualidade, na família, nas relações sociais, voltassem seus olhares para a disfunção de nossa relação com o Meio-Ambiente. Naquela época, Roszak afirmou que, a insanidade humana se apresentava a partir de uma profunda desconexão ecológica. E, sugeria que se a nossa cultura se encontra fora do equilíbrio com a natureza, todas as outras relações de nossa vida serão afetadas: família, trabalho, escola, comunidade. 

Esta, nada mais é, do que a autêntica perspectiva das antigas tradições indígenas. Os nossos ancestrais nos ensinam que a natureza cura e que tudo está   interligado. Infelizmente, nossa cultura, em uma escala mais abrangente, não aplica este conhecimento ancestral. Mas, por outro lado, felizmente, esta linha de pensamento vem sendo seguida, expandida e difundida por grande número de autores e ecopsicólogos no mundo inteiro.

Coroa de Frade - sertão paraibano, maio 2013



A realidade é que Ecopsicologia não é um campo provindo unicamente da ciência da Psicologia. Ecopsicologia tem várias raízes: Filosofia Budista, o movimento romântico na Europa, movimentos transcendentais nos Estados Unidos, tradicões místicas dentro de muitas religiões, Xamanismo, Taoismo – estas correntes sempre tiveram importantes respostas a nos dizer sobre questões de Ecopsicologia. Ecologistas já consideravam vários aspectos desta relação humano-natureza, especialmente: John Muir e Aldo Leopold. Eles são verdadeiros ancestrais intelectuais da Ecopsicologia.

A obra de Carl Jung é também considerada uma das contribuições mais valiosas para o campo da Ecopsicologia. 
Além disso, antes mesmo de Roszak, no começo dos anos 60, Michael Cohen, Robert Greenway, Art Warmoth começaram a usar o ambiente natural/”selvagem” como ferramenta para a educação e psicoterapia.

Bom, era isso que eu estava fazendo quando trabalhava o curso da Outward Bound. “Silenciosamente”, eu praticava e exercia Ecopsicologia. Sim, silenciosa e espontaneamente, pois apesar de ser psicóloga, meu papel na ONG não tinha nenhuma relação em utilizar a expedição e o ambiente natural como um veículo para a realização de ecoterapia. Nesta ONG eu sou educadora ao ar livre. Sigo uma metodologia de ensino conhecida como: Educação Experiencial, a qual enfatiza que o ciclo de aprendizagem se dá através da experiência, e esta, produzindo um conteúdo que é fundamental para uma reflexão intencional, e, a partir desta reflexão, uma modificação ou transformação pode acontecer.

No entanto, as etapas desse processo de reflexão/transformação pode ser vivenciado em vários níveis: intelectual, cognitivo, emocional, psicológico, espiritual. O trabalho que desenvolvia na OBB, tinha o foco de mudança de valores e, consequentemente, ações humanas, ali, na expedição e uma transferência daquele conhecimento para a vida de cada indivíduo pós-curso.

semente no sertão paraibano, abril 2013
O que eu, Mita, sempre ambicionei, além da fabulosa missão da ONG, era a Ecopsicologia. Uma tentativa de resgatar a conexão primordial do ser humano. Uma tentativa de, naquele momento de vida daqueles jovens - que, certamente, era um momento precioso - cuidar da relação humano-natureza. No entanto, acredito que a metodologia experiencial se limita no momento em que assume o papel de analisar a experiência. E, este sempre foi o meu impasse profissional. 

Sou profundamente influenciada pela minha formação em psicologia fenomenológica existencial. Sendo, esta influência,  um fator predominante nas minha escolhas.
A fenomenologia significou um movimento particularmente marcante no desdobramento do pensamento da Civilização Ocidental. Privilegiando-se a fonte de onde eles emergem, a experiência pré-reflexiva, viva, pré-conceitual, pré-teorizante. Como os fenomenólogos costumam chamar: o vivido.
O psicólogo alagoano, Afonso Lisboa da Fonseca, (a quem tive a honra de conhecer e absorver seu conhecimento em alguns encontros da Abordagem Centrada na Pessoa), escreveu em “Trabalhando o Legado de Rogers”:

Constitui-se assim a fenomenologia… como uma atitude fenomenológica, que busca a partir desses níveis originários da experiência e do devir, o nível da intuição originária da vivencia de consciência”. (Fonseca, 1998)

A minha percepção é de que existe uma diferença muito grande entre “estar na natureza” e “em contato com a natureza”. No meu caso, alguns mestres instigaram fortemente meus processos internos, por exemplo: o físico e ambientalista austríaco Fritjof Capra, o teólogo e filósofo Leonardo Boff, e, especialmente São Francisco de Assis. Em “Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres”, um livro extremamente inspirador para mim. Boff traz a percepção de que a natureza não está fora. Natureza está dentro de nós mesmos. Nós somos natureza.

“O mundo e os seus seres estão também dentro do ser humano na forma de arquétipos, símbolos, imagens que habitam nossa interioridade e com as quais devemos dialogar e nos devemos integrar”(Boff, 2004)

Mesmo não adotando uma abordagem puramente fenomenológica-existencial nos alunos da OBB (ou com a NOLS - outra ONG que trabalho), e mesmo sem focar em uma mudança mais visceral durante os cursos, eu percebi  que nos sete anos que atendi em meu consultório, como psicóloga clínica (antes de me tornar educadora ao ar livre), eu vi poucas pessoas entrarem em contato com a sua própria natureza, sua essência, de uma forma tão natural e efetiva, como acontece com outras, no ambiente natural.

A nossa cultura utiliza-se de uma linguagem incutida de racionalidade. Linguagem que é fundamentalmente necessária para resoluções de conflitos, organização e entendimento dos nossos processos cotidianos. Contudo, uma linguagem calcada na globalização de opiniões, pensamentos e idéias, como vemos sendo  disseminadas nos meios digitais de comunicação, afeta a capacidade de um ser genuino, e perturba o espaço íntimo da subjetividade humana.   O filósofo Martin Buber fala da inevitabilidade da coisificação, natural em nossa condição humana. A transformação da dialógica Eu-Tu na objetivação Eu-Isso. 
O mundo e a vida “coisificados” servem ao homem e organizam sua realidade. A possibilidade do Tu, todavia, reside em cada aspecto das coisas e é própria de sua natureza:

“Tudo o que(…) se transformou em ISSO, tudo o que se consolidou em coisa entre coisas, recebeu por sentido o destino de se transformar continuamente. Sempre de novo – tal foi o sentido da hora em que o espírito se apoderou do homem e lhe mostrou a resposta – o objeto deve-se consumir para se tornar presença, retornar ao elemento de onde veio para ser visto e vivido pelo homem como presente”(Fonseca, 1998).

Para se ter um entendimento da Ecopsicologia, acredito que uma das primeiras considerações seria entender que, neste campo existe um tipo de linguagem não linear. A Ecopsicologia denota a importância de nos tornarmos mais conscientes e engajados em outros modelos de comunicação que não o verbal. E, explorar o nível da transcomunicação, uma comunicação que está além da linguagem usual.  Explorar a transcomunicação requer primeiramente que se conheça o Ser a partir de sua dimensão verdadeira, que não é a fisica; reconhecer o fluxo desse Ser, como ele habita, como se manifesta. E também, conectar com nosso ancestral maior a partir do silêncio e da contemplação, possibilitando a abertura de nossa "escuta interna".




São Francisco de Assis, intuitivamente, nos mostrou que este mundo não é mudo, nem inerte, nem vazio; ele é cheio de movimento, de vida, de propósito e de apelos da Divindade. Francisco, aquele que "sentia-se arrastado para as criaturas com um singular e estranhado amor", aquele que não temia as nossas raízes cósmicas; aquele que "parecia um homem de outro mundo", veio nos deixar a lição ecopsicológica : a importância da ternura nas relações humanas e cósmicas.

"Irmãos meus, irmãos meus, Deus me chamou a caminhar a via da simplicidade e ma mostrou. Não quero, pois, que me nomeeis outras regras, nem aquela de Santo Agostinho, nem aquela de São Bernardo, nem aquela de São Bento. O Senhor me revelou sua vontade de que fosse um novo louco no mundo: esta é a ciência à qual Deus quer que nos dediquemos". (Francisco de Assis).

Eu no lago General Carrera - Patagonia Chilena, Março 2012

Para quem interessar mais sobre a Ecopsicologia, tem um artigo do John Scull comentando o livro: "Ecopsychology: Science, Totems and the Technological Species", aqui neste link: http://www.ecopsychology.org/gatherings/. Este livro é uma tentativa dos próprios psicólogos em definir o uso de termos que descrevem e definem este campo.   

Referências:
Gatherings: Journal of the International Community for Ecopsychology. accessed 10 February
2013 http://www.ecopsychology.org/gatherings/.

Scull, John. Let a Thousand Flowers Bloom; A History of Ecopsychology. Gatherings Journal of Ecopsychology.

Boff, Leonardo. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Sextante, 2004.

Fonseca, Afonso L.  Trabalhando o Legado de Rogers. Pedang, 1998.


Mariana Candeia / Mita

20 maio 2013

Nova Conquista no Banguelo: "Lembranças dos Bons Espíritos" (relato)


Brincando com a Luz do SOL depois da escalada.

Neste último domingo revivi algumas boas sensações. Estar na Paraíba, já é um fato que, por si só, acentua meus sentidos e me reconecta com memórias muito significativas. E escalar na Paraíba, tem um gostinho especial. Bom demais.

Fomos eu e meu amigo, escalador paraibano, Wolgrand Falcão à Pedra do Banguelo que fica no município de Caldas Brandão/Cajá, perto da cidade de Campina Grande.

A Pedra do Banguelo é uma excelente opção de escalada para quem mora em João Pessoa (40 minutos) e não tem muita disponibilidade ou tempo de viajar para outros lugares mais distantes como Campina Grande (1:20h); Pedra da Boca (2h) ou Serra Caiada (2:30h). E, o lugar vem sendo muito bem desenvolvido por escaladores de Campina e João Pessoa. Acho que fui lá umas 5 ou 6 vezes e, todas as vezes voltei com muita satisfação. Abrimos uma outra via lá, eu e Bernardo, em uma das vezes que fomos lá (talvez 2007?). Só não lembro o nome da via! :)

Fui me encontrar com Wolgrand e saímos de J.Pessoa quase 07:00h. No caminho tivemos uma conversa muito interessante sobre: Espiritismo, experiências transpessoais, pessoas queridas que se foram e, ego entre escaladores. O município de Cajá é uma boa pedida para desfrutar delícias do Nordeste, então ali, parei para beber uma água de côco e comprar uma tapioca para almoço. Maravilha!

Chegando no Banguelo, um encantamento me assolou. No mês passado fizemos, eu e Tonto, um "tour" de escalada entre Paraíba e Rio Grande do Norte e vimos muita seca! Chegando no Banguelo, eu quase não acreditei: aqueles morros rochosos cheios de vegetação, paisagem bucólica, as vacas pastando. Pensei logo na música cantada pela Elis Regina: "Eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rocks rurais.." Fiquei animada! 

A trilha para este setor é lindamente mantida graças as vacas locais. Uns 25 minutos caminhando, com uma porção bem íngreme no final.  Já começamos a sentir o calor paraibano "de lascar!". 

Eu e Wolgrand depois da suadeira na subida da trilha.
O Wolgrand foi me apresentar as vias do lugar, umas 3 neste setor, e, em seguida foi me mostrar uma fenda que ele tinha tentado subir com um amigo, mas tinham desistido depois de alguns metros.  Quando vi a fenda, foi tipo: "amor à primeira vista"!. Fiquei MUITO mais animada!! Óbvio, que minha opção foi para a conquista, não via a hora subir aquela fenda!



Foto da fenda. Ainda tem 4 metros para baixo, que não apareceu do ângulo que eu estava.
Então lá fomos nós. Eu começei a organizar meu "rack", e o Wolgrand me ajudou muito com as informações baseadas em sua experiência passada. 

Selecionando o equipo

A retinida mágica de Wolgrand.

Quando começei a escalar o sol já estava forte. Deveria ser  9:30 da manhã. A via tem EXCELENTE proteções, a qualidade da rocha é simplesmente maravilhosa! Não tenho certeza que tipo de rocha, mas me parece muito um quartizito. Inclusive, existe milhares de pedaços de quartzo espalhados por todos os lugares, pode-se até ver os pontos brancos no solo desde lá de cima da via, coisa linda!
A rocha estava com terra e musgos secos e também encontrei uns 3 cactos no meio da fenda. Obrigada, Wolgrand, por ter levado o arsenal de peças grandes!!! Oh, GOD! Repeti o #3, #4 e usei ainda  #5 e #6 (opcional) uma vez (Black Diamond). Recomendo 2 jogos. Não usei stoppers. Fitas longas ajudam para a passagem do teto (pela esquerda) e também em uma travessia para a direita depois do teto, senão vai ter um atrito quando entrar no crux: fenda larga, logo depois da travessia na fenda horizontal de dedos.

A via é linda! 100% em móvel, 35 metros de pura fenda, muito poucos movimentos de "face climbing", um lance aqui e ali de aderência. A travessia é "jeitosa" também, mas não é difícil. O crux é a fenda larga depois da travessia, que me fez reclamar um bocadinho! Lembrei na hora da Kika, se ela estivesse ali, estaria rindo muito de minha cara, quando a gente escala, eu evito as fendas largas à qualquer custo! Chegou a minha hora! :) E, foi bom demais!

Fiz a via em 01 "esticão". A corda de 60 metros não chega no chão, rapelando da árvore no topo. A árvore está em perfeitas condições, no entanto, não custa nada fazer um "backup" para o mais pesado descer primeiro e observar. Tinha outras árvores que não estavam boas, lá em cima. 


Registro do crux no rapel.
Enquanto Wolgrand vinha "limpando" a via, eu estava lá em cima na árvore, sentada na sua raiz e contemplando o visual maravilhoso, e um gavião voando de lá pra cá. Lembrei da minha primeira escalada "ever", quando tive uma experiência muito intensa com um gavião. Me senti muito feliz em reconhecer que posso ser raiz e posso ser pássaro também. Que presente é poder se sentir parte do Todo e poder comungar com a magia da Vida.

Demos o nome: "Lembrança dos Bons Espíritos"- 5° VIsup E2. 
Equipo: 2 jogos (até #3) + #5 e #6(opcional).
Corda: 70 metros.
Dica : recomenda-se começar a escalar muito cedo. Wolgrand vomitou depois de concluirmos a via devido ao forte calor ao qual fomos expostos! "Rapadura é doce, mas não é mole não! ". :)

Abraços e Boas Escaladas!
Mita


07 maio 2013

Ser Dançante - (poema)



De repente tem um oceano inteiro como testemunha.
O mar que já acompanhou inquietudes.
Hoje inunda a alma.

De repente tem a voz
A que fala de dentro.

Água transborda da boca como símbolo

E tem aquele,
Que conhece a dança.

Que segura pela mão com convicção
Conduz o corpo
Para dançar com as ondas.

Um oceano inteiro como testemunha.
De uma pérola que encontra seu tesouro:
Lugar de transcendência e fluidez.

Água transborda dos olhos como símbolo.

A pérola, as ondas e o tesouro 
 um Ser no mar.


01 maio 2013

o olho do mato morto - (poema)


reconheceu a presença de outros tempos.
aquela que voltou sem nunca ter ido.
não veio à cavalo, nem com o leão.

como quem conhece as sutilezas na vida.
atravessou os óbvios sinais de morte.

o suor escorria no pescoço
prendeu seu cabelo revelando o pássaro solto
no céu de sua carne queimada do sol.

sentiu seu cheiro
de homem
e de mulher

e passou com seu habituado movimento e precisão.
 eu, mal pude escapar das marcas deixadas por ela.

minha paixão.

Mita - João Pessoa, Paraíba



04 abril 2013

"Enchantment is the oldest form of Medicine" (relato)

my happy soul in Itatiaia - Rio de Janeiro

Esta afirmação do Carl Jung é uma das mais bonitas que já li.  Ela não faz sentido para muitos, mas, para mim, faz sentido absoluto, e ainda, traduz de maneira fiel a maneira que escolho os meus caminhos.

Assim como muitas outras pessoas pelo mundo afora, adotei também um estilo de vida que me permite praticar e exercitar a expansão de minha consciência além da superfície a qual a maioria das pessoas ao meu redor (na nossa sociedade) está habituado. Eu vejo uma nítida diferença e me sinto privilegiada por não fazer parte do grupo da maioria. No meu caso, optei passar mais ou menos 7 meses do ano imersa no mundo natural, muitas vezes com um pequeno grupo de pessoas em lugares remotos, longe de civilização. Convivendo com animais, clima adverso, acompanhando as fases da Lua, e acordando com o Sol, cuidando e deixando que outros e a natureza cuide de mim. Nos outros meses do ano eu escolho ir ainda mais além no exercício de expandir minha consciência. Eu trabalho com uma terapia de cura através de pressão em pontos musculares no corpo e respiração focada. Esta é uma atividade que a cada dia vem ganhando mais espaço na minha vida, porque tem se destacado como uma atividade transpessoal, está além do que a minha mente racional pode explicar. É um trabalho de liberação onde há um mútuo benefício entre as partes.



allowing Nature to heals us - Chilean Patagonia

O corpo é o nosso código mais intenso e a nossa memória mais arcaica. O corpo incorpora a vida. William Reich afirmou que "o corpo é o inconsciente visível". Eu sei que existe uma ressonância direta ocorrendo do meu estado de consciência no momento em que ajudo uma pessoa a acessar este inconsciente visível e sagrado, que é o corpo dela.



Bom, este estilo de vida que eu tenho não "caiu do céu". Ele é, certamente, abençoado, mas nem de longe é "cor-de-rosa". Antes de tudo isto acontecer foi preciso desapegar de um monte de coisas. Coisas boas também.

Escolhas. Eu fiz escolhas conscientes e, inicialmente, as consequências foram muito desagradáveis. Por que não dizer, dolorosas.
Foi o caminho que escolhi, porque desde muito nova eu entendi que a minha consciência é um presente. E também entendi, muito cedo, que este presente deve ser usado junto com a natureza. Aos 8 anos de idade eu já sabia ( em um nível de consciência mais profundo) o que era, essencialmente, importante para mim.


O que eu não entendo é a violência. Ontem, uma amiga me contou do caso da "van em Copacabana". Onde dois turistas americanos, um casal, tomou um transporte público, esta van. E que resultou em um estupro ( da mulher) por mais de 6 horas dentro da van. Como assim?! Isto é muito difícil de aceitar.

O Jung falou também de "Atrophy of Instinct", um grande sintoma patológico de nossa civilização moderna. O que é a ocasionado pela perda do contato com o mundo natural. Este é o viés que mais me convence na busca de um entendimento para tamanha desconexão com outro Ser, com o corpo de outra pessoa. A doença. Causada pela perda da conexão primordial. Nas palavras do meu colega ecopsicólogo Marco Bilibio "a degeneração do inconsciente ecológico". As pessoas vêm perdendo o olhar aberto, simples e natural de tudo e para com todos. Como se existisse parte das pessoas que estão fechados ao próprio movimento da vida.


É basicamente revoltante. Assusta. E é triste. Mas, eu somente confio no poder que tenho recebido da Vida através de minhas experiências pessoais de trocas neste mundo.  Sim, eu acredito que é necessário estender-se para fora do nosso corpo, senão não há relação. Acredito que a cura vem quando a gente consegue projetar a gente mesmo na natureza que está ao nosso redor. Integrar e permitir. Um poder que nenhum de nós deveria desviar-se.

Essa mesma idéia é também reforçada pelo poeta americano David Whyte quando fala sobre  "The Conversational Nature of Reality" : 

"There is no self that will survive to a real conversation, that will survive to meeting with other than yourself. And is in this moment when you meet something other than yourself that all kind of astonishing things happens".


Porque o corpo comunga, e a Vida necessita de comunhão e encantamento.

Nature letting to be healed - street @ Vila Madalena - São Paulo






21 fevereiro 2013

Triste notícia. Felizes recordações. (relato)


Hoje eu fui olhar uns artigos antigos em meu computador e me deparei com uma pasta de poemas que escrevi há tempos atrás e outros que selecionei.
Um deles era da autoria do Fábio Muniz, o Fabinho. Ele escreveu em resposta à um outro poema que eu tinha escrito. Minutos mais tarde uma amiga me chama no Skype para me comunicar do acidente do Fabinho no Rio, ontem à noite.

Fábio gostava de jogar com as palavras e sempre nos víamos no Rio, ele fazia questão de jogar uma metáfora ou um trocadilho. Com aqueles olhos arregalados e o sotaque carioca acentuado. E então, repetia o jogo de palavras, deixando "no ar"a mensagem icógnita e o sorriso no canto da boca.
Sempre sorria muito com o Fábio. Vou sentir muitas saudades suas, meu amigo. Do seu olhar profundo e seu abraço apertado e, especialmente de sua vibração positiva.

25 janeiro 2013

SOUL (relato)



unpleasant thing to see when you still have 5 more rappels left!
core shot while descending from "Voie Des Benetièrs", El Mocho - El Chalten

23 janeiro 2013

A Primeira Gelada em Chalten - (relato)




Há pelo menos seis anos tenho passado meus verões do hemisfério Sul na Patagônia. E, honestamente, nunca vi tempo tão bom e tanto calor como nestas últimas duas semanas. El Chaltén está "pegando fogo", cumes no cordão do Fitz e do Torre são escalados todos os dias e eu, evito a todo custo olhar a previsão do tempo para não "morrer de raiva"! Pois meu tempo de escalar em Chaltén terminou dia 01 de Janeiro, quando tive que voltar para trabalhar na Patagônia Chilena. 
Mas, mesmo não tendo boas condições para escalada em rocha e o melhor clima em Dezembro, eu aproveitei muito e tive experiências memoráveis. A primeira delas foi a escalada no Cerro Pollone.


Olhando para a Supercanaleta, Glaciar Fitz Roy

Foi voltando da escalada no Cerro Pollone que o canadense Maz Fisher, meu colega de trabalho, bateu esta foto.
Eu vinha caminhando pelo glaciar em um estado quase de transe, deixando-me absorver totalmente pela grandiosidade do lugar e do momento. Quando começamos a descer a via, Max falou que íamos parar somente na base da "Afanassief". Então, eu vinha caminhando no modo "automático". Parei na metade do glaciar para conversar glaciar para conversar com dois escaladores que estavam sentados, comendo, debaixo de uma pequena nevada que caía. Achei curioso ver aqueles dois rapazes muito tranquilos ali, contemplando a paisagem. Senti uma profunda paz em somente observar aquela cena e alguma ansiedade que ainda existia dentro me mim, se dissipou. Eles perguntaram de onde nós vínhamos e como era o caminho para descer para o Glaciar Torre pelo "Paso Del Hombre Sentado". Um deles era o Merlin Didier (com quem escalaria algumas semanas depois) e o outro, era o Stéphane Hanssens, ambos da Bélgica. 

Apesar de não gostar muito de escalar em neve em terreno inclinado e em gelo, a escalada do Cerro Pollone foi simplesmente fenomenal. Obviamente, esta realização somente veio dias após a escalada. Quando escalo este tipo de via me sinto muito desafiada física, mental e emocionalmente. Tenho que fazer um esforço para me manter em equilíbrio e auto-controle para não deixar que minha insegurança, desconforto e minha pobre competência neste tipo de terreno roube minha energia. Pois sei que, mesmo não gostando, eu amo escalar montanhas e sei que tenho que poupar energia para descer ou lidar com qualquer outro tipo de situação emergencial.

A aproximação para o Cerro Pollone é uma caminhada longa e linda. Desde Rio Elétrico para Piedra del Fraile, depois para Piedras Negras, depois para Paso Del Cuadrado e, depois mais 5 kilômetros noroeste no Glaciar Fitz Roy para a base da via no Cerro Pollone. Não sei quantos kilomêtros são ao total, talvez entre 17 a 20km.  Dormimos em Piedras Negras e no dia seguinte caminhamos, escalamos e voltamos. Uma outra boa opção seria dormir na base da "Afanassief" e caminhar somente os 5 km no glaciar.

A via "Cara Sur", 400m, 4, 65˚ começa em uma rampa de neve/gelo e cruza um bergschrund, que estava bastante coberto, pois, toda a montanha tinha muita neve! Depois segue por um couloir de gelo de 65˚-70˚. Tive bastante medo de cair e derrubar o Max, já que ele estava guiando este trecho. Pedi para ele fazer esticões, ao invés de continuarmos em simultâneo. A qualidade do gelo me lembrava uma escalada que tinha feito meses antes em Idaho, no Borah Peak, com um amigo, Frank Preston. Quando fincava meus piolets no gelo, um pedaço grande de gelo rompia e caía em cima de mim, aumentando minha insegurança. Claro que as experiências que tenho tido em gelo e neve nos últimos 4 anos aumentaram significativamente o meu nível de conforto, especialmente em Borah Peak (Idaho), North Ridge of Mount Baker (North Cascades, WA), Fremont Peak e, Gannett Peak (Wind Rivers Range, WY), Face Sul do Cerro Meliquina (Patagonia, Chile). Lembrava que já sabia o que fazer e tentava ficar mais tranquila e mais concentrada.

Nos trechos mais inclinados o gelo era exposto e nas outras partes a neve era tanta (no nível da coxa) que dificultava e tornava lenta nossa progressão. Eu sugeri, então guiar as partes mais cansativas e o Max, as partes mais técnicas.

"Cara Sur"- Cerro Pollone. Glaciar Torre atrás.

O tempo não estava estável. A visibilidade era o que mais comprometia a escalada. Muitas vezes, esperávamos por uma brecha onde pudéssemos ver alguma coisa na nossa frente.
Paramos mais ou menos na metade da via para comer um pouco e, esperar por visibilidade. Sugeri que esperássemos uns 30 minutos e, então, decidiríamos. Mas, estava frio e, passados 15 minutos, eu falei para o Max que eu ia continuar guiando e passar o outro bergschrund para tentar ver alguma coisa mais para cima.
Queria chegar ao cume e descer. Subi e fiz uma travessia em gelo para a esquerda até um bloco de pedra. As nuvens estavam chegando e eu escalava rápido querendo ver o que tinha para cima. Cheguei a tempo de ver mais ou menos a linha da via e, o tempo fechou. Fiz a segurança para o Max daquele bloco e quando ele chegou pensamos um pouco no que fazer. Ele tomou a mesma atitude que eu tive e disse: "Mita, eu vou escalando por uns 15 minutos ou até o meio da corda, e então, a gente avalia a situação novamente". Eu concordei. 
Não se enxergava absolutamente nada, mas já tínhamos visto que este trecho da escalada nem era neve, nem era gelo, era rime ice, ás vezes hard, outras vezes soft! Ou seja, um pouco mais complicado de escalar, especialmente para proteger devido à fragilidade do gelo.

Max fazendo minha segurança na parte de rime ice.

Enquanto o Max escalava em total whiteout, começou a ventar mais forte e as rajadas de neve no meu rosto me fazia ficar de cabeça abaixada. De repente, olho para cima para ver a progressão e vejo uma brecha de céu azul e toda a parede e o col para o cume! Falo: "Max, olha para cima!". Ele estava tão envolvido com a escalada que nem tinha se dado conta. 
Aquilo recarregou nossos ânimos e esperança em concluir a via. Uma vez que eu fui subindo o vento aumentou e, consequentemente, o frio também. Foram dois esticões em rime ice, sendo o último uma travessia para o saddle antes do cume. O Max estava entusiasmado com a escalada e enquanto dava segurança batia fotos do visual que estava atrás de nós: a incrível parede do Piergiorgio! 
Mas, quando eu cheguei na ancoragem, o vento já estava bem pior, o frio muito maior e, novamente a visibilidade nos afetava. Desta vez, não tínhamos muito tempo para esperar, pois ali, estávamos muito expostos. Em uma pequena brecha de visibilidade que tivemos, vimos o último esticão que nos restava para o cume: a rocha completamente coberta de rime e gelo! Avaliamos que nos tomaria pelo menos mais de uma hora para chegar ao cume. Eram quase 3 da tarde e decidimos começar os rapéis antes que o vento e visibilidade piorassem. 
Dias depois, conversando com o Colin Haley, ele me disse que não há segunda repetição desta via. E que ele mesmo já tinha solado esta via, mas não pôde fazer o cume também. 
Isto é El Chalten! Tão perto e tão longe! E, sobretudo, tão mágico!


A última travessia em rime ice. Piergiorgio Peak atrás! Lindo!