15 agosto 2017

Quando a vida te chama - (relato)

 2016 - Mount Dickey  - Ruth Gorge - Alaska (photo: Pedro Binfa)

De repente tudo escureceu e se instalou o mais completo silêncio. Por um instante, eu perdi a conexão com todo o universo ao meu redor. Pensei: “morri?”.
Em uma fração de segundos voltei, ou melhor, a neve que encobria meus óculos de sol saiu das lentes fazendo-me enxergar a mim mesma na beira de uma grande vazio. 
Àquele ponto, eu estava tomada pelo terror e confusão. Tentava entender o que tinha acontecido, ao mesmo tempo em que minha mente ferozmente tentava encontrar a solução para aquele caos. Eu pensava: “tenho que respirar, tenho que respirar… calma, calma..”
Quando olhei para o infinito buraco negro à um milímetro de meus pés, a ansiedade me possuiu e falei para o Pedro: “Me tira daqui! por favor, eu não consigo alcançar a outra parede!”. 
Pedro também, acredito, estava pasmo com todo o “turbillhão” que estávamos vivendo nos últimos vinte minutos. Embora parecesse extremamente calmo. Se ele tentasse me remover fora da “crevasse”(fenda no glaciar) pelo lado dele, eu iria despencar no vazio e a corda iria “cortar” aproximadamente 2 metros de teto de neve acima de mim me fazendo pendular até atingir a parede de gelo do outro lado da “crevasse”.
ARGHH! Respira! pensava e tentava sem sucesso juntar as partes desconectadas de mim mesma por conta da intensidade do que acabara de acontecer. 
Minutos antes de cair nessa “crevasse”. Estávamos escalando o “West Ridge” do Mount Dickey, no Ruth Gorge, Alaska. Pensávamos que o dia seria tranquilo, já que a via não é muito tecnicamente exigente. As condições, no entanto, não estavam tão excelentes quanto pensávamos. Vínhamos progredindo bem nos 1.500 metros de escalada, passamos a “ice fall”( blocos de gelo pendurados), e reverzavamos a guiada que fazíamos em simultâneo (sem parada). Paramos para um lanche no ombro do ridge antes do “headwall” final. 
Pedro seguiu na frente na parte final da escalada, entre nós 15 metros de corda esticada. Olhei para cima e falei: “Hey, espera. Vamos decidir qual linha vamos seguir?! ” Instintivamente eu quis parar e ver qual era a nossa melhor opção. Na esquerda tinha corniças gigantes, que bem caracteriza as escaladas do Alaska; acima de nós estava bom, mas tinha umas pedras perto do cume; e na direita era a linha da aresta, com escalada mista de rocha e neve. Decidimos ir na linha da direita. 
Eu e Pedro em frente ao "Eye Tooth" - Ruth Gorge - Alaska
Pedro começou a fazer seu caminho para a aresta quando escutamos um barulho de caída de pedra. Os dois na mesma hora gritam: “Pedra, pedra!”. Olhamos para cima e o que vemos é o começo de uma das experiências mais intensas e talvez a mais assustadora que já vivi nas montanhas.
Não tivemos tempo de nos mover, uma pedra se deslocou perto do cume, caiu na neve e causou uma avalanche bem acima de nossas cabeças. Olhamos um para o outro e Pedro me fala:“Mita, se auto-detenha o melhor que você puder!”. Eu não disse uma palavra. 
Olhei para cima e vi aquela massa gigantesca de neve vindo em velocidade e aumentando mais e mais e mais. Eu estava completamente fincada na montanha, "piolet" e crampons dentro da neve. Segurei um ar dentro dos pulmões logo antes de ser atingida. Não tinha idéia do que iria acontecer conosco, mas tinha muito medo de cair no precipício, já que estávamos cerca de 20 metros da aresta. Se um de nós fosse arrastado fora da aresta, teríamos pouca chance de vida. 
A força da avalanche me jogou para fora da parede muito rápido, e eu comecei a ir para baixo no meio daquela massa branca enorme. Eu fiquei sem controle, lutei para me virar de frente para a montanha outra vez, batendo meus braços e pernas contra a neve e voltei para a posição de auto-detenção. 
A avalanche continuava, e eu colocava toda a minha energia em tudo que eu tinha aprendido com excelência, eu tinha que fazer meu melhor, o mais perfeito possível e minha consciência corporal estava em cada detalhe do meu posicionamento. Mas, de repente, foi a vez da avalanche levar o Pedro e, então, eu não acreditei! Senti seu peso na minha cintura e, poucos segundos depois eu fui lançada para fora a segunda vez. 
Acho que nunca vou esquecer essa cena, muito menos a sensação que tomou posse de todo meu ser neste momento. Ver Pedro e eu encordados e sem controle, escorregando em direção à um precipício de 1.500 metros, mobilizou em mim uma força visceral. Tipo primitiva. De sobrevivência. Deu um nó no meu estômago, senti um fogo no meu centro e ouvi uma voz interna que dizia que eu tinha que parar a nossa queda à qualquer custo. Eu tentava, mas o volume de neve era tanto na mochila que não me permitia girar meu corpo para o lado. De repente, um grito junto com um impulso veio lá de dentro de mim, e, como um desses filmes super dramáticos, estilo “Limite Vertical”, eu entro em posição outra vez, até conseguir parar a minha queda e consequentemente, a de Pedro. Assim que eu parei, ele pôde se posicionar também, e então, ficamos lá esperando terminar. A neve ainda descia como uma cachoeira “véu de noiva”, mas, agora, podíamos manejar a corda. 
Olhamos um para o outro, e checamos como cada um estava: “Eu estou péssima, nervosa, quero descer”. Eu sugeri desescalar a parede, já que eu estava com a confiança esgotada. E, foi neste momento, alguns minutos depois de “heroicamente” termos salvado um a vida do outro, que eu caio em uma “crevasse” que estava escondida por causa dos detritos da avalanche.
O que é isso tudo!? E, por que estou compartilhando essa experiência aqui? 
Porque esta experiência é real. E ela fala da força da vida, que é algo que nós, diante das escolhas que fazemos e submersos em um sistema social muitas vezes predatório, nos distanciamos substancialmente do que realmente precioso na vida. 
Acredito que mais do que em qualquer época, estamos em uma momento onde as nossas capacidades e potencialidades devem estar fortes, desenvolvidas e alinhadas com o fluxo de energia que nos move e nos re-cria a cada instante. 
Claro, este é um exemplo extremo. Mas, falo com sinceridade, foi preciso viver a intensidade insana dessa experiência para que eu sentisse nas entranhas todo o poder e toda a debilidade que existe dentro de mim. Já estive muitas vezes de frente para minha vulnerabilidade, mas nunca desta forma.

esperamos 5 dias até o avião chegar para sair do glaciar, ainda bem que restava meu chocolate favorito! :P

Qualquer conversação real, verdadeira, envolve vulnerabilidade. E, tenho percebido que é importante que eu encontre as minhas próprias vulnerabilidades e crie um diálogo honesto dentro de mim mesma. A partir deste encontro com a vulnerabilidade que avançamos na maturidade e no entendimento de nosso caráter. Depois que saí dessa montanha, eu fiquei um tempo em estado de “choque” diante da proximidade que tive com a morte. 
Intencionalmente, parava e tentava refletir o que significou este impacto na minha vida. Eu fui ali, fui acolá, tive alguns insights e incríveis articulações mentais a respeito do assunto.
Mas, sabe o que? 
"Bull shit!" - Não importa. Como diz Ram Dass em "Polishing the Mirror": "Getting caught up in memories of the past or worrying about the future is a form of Self- imposed suffering. Start fresh. It is a new moment."

A lição mais valiosa dessa experiência, no entanto, é:
LIFE IS NOW! 

Meditando, pude voltar à “crevasse” outra vez. E, ao mentalizar aquela situação, o que eu pude ver se resume a terror, pânico, descontrole, e uma profunda desconexão. Ali, dentro da "crevasse", vi como se o gelo ao meu redor fossem espelhos e eles, refletiam o mais deprimente estado da condição humana: a falta de esperança e a escassez do amor próprio.  
A natureza me deu (outra vez), mais um imensurável presente da “morte” para então, encontrar a VIDA. A morte é indissociável da vida e vice-versa, isso é perceptível em infinitas metáforas que estão ao nosso redor a todo instante. Pura beleza. Siga atento, alegre e em paz. 

Gratidão... obrigada à meu grande amigo Pedro Binfa (Chile) que foi a pessoa certa, no lugar certo e na hora certa! :) A-ho!
Puha! ( Medicine Power).

31 dezembro 2015

2016 - (citação)

" Eu deliberadamente e conscientemente dou preferência à uma maneira dramática e mitológica de pensar e falar, não apesar por ser este mais expressivo, como também mais exato do que uma terminologia científica abstrata, que costuma brincar com a noção de que suas formulações teóricas podem um dia ser resolvido em equações algébricas" - Carl G. Jung

23 março 2014

En el fin del mondo (poema)



aquí es una mujer que espera y no espera. 
aquí es una mujer que hace los cambios y no cambia. 
es ancestral. es transpersonal. 
aquí es una mujer que mira los diferentes colores de una misma figura.
aquí es una mujer que crea diferentes colores.

más vulnerable de lo que crees y más fuerte de lo que crees. 
una mujer sin un montón de secretos pero de muchos misterios.

una mujer que descubre su insospechada reserva de fuerzas en situaciones verdaderamente desesperadas.

una mujer que te quiere y te necesita. 

sobre todo ama.

Every time i try something… I gain a little. (relato)

 After Sahne-Nuss climbing. I spent one full morning looking at Cerro Palo wall and then decided to give up due the incredible amount of loose rocks and intense micro management. In this picture I was just trying to pretend i was happy with my decision.









True story.

27 maio 2013

Linguagens em Ecopsicologia - (artigo)



"The complex interchange we call "language" is rooted in the non-verbal exchange already going on in between our flesh and the flesh of the world"
- David Abram - The Spell of the Sensuous -





Brotando no sertão paraibano, maio 2013
Em 2007, eu estava liderando, juntamente com mais dois instrutores,  uma expedição para a Outward Bound Brasil - OBB (http://www.obb.org.br), com um grupos de 14 jovens em situação de risco social  (média de 15-17 anos). Este curso estava acontecendo na Serra da Mantiqueira, no estado de S.Paulo, nas proximidades com Minas Gerais. O foco do curso era o desenvolvimento de valores e caráter humanos, alinhada com a missão da OBB - de desenvolver o potencial de cada indivíduo para cuidar de si, dos outros e do mundo à nossa volta; através de atividades desafiadoras. 

Em um dado momento do curso, planejamos uma atividade de formação da identidade grupal e um  "ritual de passagem". Esta atividade consistia de uma ascensão à montanha mais alta da região, seguida por um ritual de silêncio e contemplação e uma cerimônia com instrumentos indígenas (apitos e maracá) e urucum. Foram momentos incrivelmente fortes para o grupo inteiro. Na medida em que um aluno pintava o rosto de um colega com urucum, este verbalizava votos de paz e amor para com o outro e, assim, fomos nos pintando e nos fazendo grupo.

Acabada a cerimônia, descemos e fomos encontrar onde seria nosso acampamento para aquela noite. Já sabíamos que, naquele dia, encontraríamos um outro grupo, de adultos, que estava também em um curso da Outward Bound Brasil, mas, com o direcionamento na Formação de Educadores ao Ar Livre.

Antes do pôr-do-sol, encontramos o grupo de educadores e, foi muito bacana o encontro da nossa “tribo”, ainda todos pintados, com eles. Foi, neste momento, que encontrei com o Marco Aurélio Bilibio, conceituado psicólogo de Brasília (atualmente uma referência nacional em Ecopsicologia, tendo participado de importantes movimentos socio-ecológicos, incluindo a Conferência da Onu sobre Sustentabilidade Rio+20). Ali, justamente quando eu estava com meu rosto pintado de urucum, com meu espírito completamente integrado, e na força da unidade universal, fomos apresentados e, o Marco Aurélio olha para mim, bastante admirado e um grande sorriso no rosto e me pergunta: "O que é isso?"  Daí, dessa nossa conversa foi que eu entendi que o que eu fazia tinha um nome: Ecopsicologia.

O que é Ecopsicologia?

Uma nova área da Psicologia? Tal como a: Psicologia Organizacional, Psicologia Escolar, Psicologia Clínica, Psicologia Jurídica, Psicologia Hospitalar?

A primeira definição "formalizada" do campo da Ecopsicologia foi dada pelo historiador social americano Theodore Roszak, em: “Voice of the Earth” (1992). Ainda na década de 70 o Roszak já tinha escrito algumas idéias centrais deste campo. Em “The Nature of Sanity”(1996), ele aponta para a importância de que os psicólogos, ao invés de analizarem e rotularem exaustivamente diversas formas de disfunção na sexualidade, na família, nas relações sociais, voltassem seus olhares para a disfunção de nossa relação com o Meio-Ambiente. Naquela época, Roszak afirmou que, a insanidade humana se apresentava a partir de uma profunda desconexão ecológica. E, sugeria que se a nossa cultura se encontra fora do equilíbrio com a natureza, todas as outras relações de nossa vida serão afetadas: família, trabalho, escola, comunidade. 

Esta, nada mais é, do que a autêntica perspectiva das antigas tradições indígenas. Os nossos ancestrais nos ensinam que a natureza cura e que tudo está   interligado. Infelizmente, nossa cultura, em uma escala mais abrangente, não aplica este conhecimento ancestral. Mas, por outro lado, felizmente, esta linha de pensamento vem sendo seguida, expandida e difundida por grande número de autores e ecopsicólogos no mundo inteiro.

Coroa de Frade - sertão paraibano, maio 2013



A realidade é que Ecopsicologia não é um campo provindo unicamente da ciência da Psicologia. Ecopsicologia tem várias raízes: Filosofia Budista, o movimento romântico na Europa, movimentos transcendentais nos Estados Unidos, tradicões místicas dentro de muitas religiões, Xamanismo, Taoismo – estas correntes sempre tiveram importantes respostas a nos dizer sobre questões de Ecopsicologia. Ecologistas já consideravam vários aspectos desta relação humano-natureza, especialmente: John Muir e Aldo Leopold. Eles são verdadeiros ancestrais intelectuais da Ecopsicologia.

A obra de Carl Jung é também considerada uma das contribuições mais valiosas para o campo da Ecopsicologia. 
Além disso, antes mesmo de Roszak, no começo dos anos 60, Michael Cohen, Robert Greenway, Art Warmoth começaram a usar o ambiente natural/”selvagem” como ferramenta para a educação e psicoterapia.

Bom, era isso que eu estava fazendo quando trabalhava o curso da Outward Bound. “Silenciosamente”, eu praticava e exercia Ecopsicologia. Sim, silenciosa e espontaneamente, pois apesar de ser psicóloga, meu papel na ONG não tinha nenhuma relação em utilizar a expedição e o ambiente natural como um veículo para a realização de ecoterapia. Nesta ONG eu sou educadora ao ar livre. Sigo uma metodologia de ensino conhecida como: Educação Experiencial, a qual enfatiza que o ciclo de aprendizagem se dá através da experiência, e esta, produzindo um conteúdo que é fundamental para uma reflexão intencional, e, a partir desta reflexão, uma modificação ou transformação pode acontecer.

No entanto, as etapas desse processo de reflexão/transformação pode ser vivenciado em vários níveis: intelectual, cognitivo, emocional, psicológico, espiritual. O trabalho que desenvolvia na OBB, tinha o foco de mudança de valores e, consequentemente, ações humanas, ali, na expedição e uma transferência daquele conhecimento para a vida de cada indivíduo pós-curso.

semente no sertão paraibano, abril 2013
O que eu, Mita, sempre ambicionei, além da fabulosa missão da ONG, era a Ecopsicologia. Uma tentativa de resgatar a conexão primordial do ser humano. Uma tentativa de, naquele momento de vida daqueles jovens - que, certamente, era um momento precioso - cuidar da relação humano-natureza. No entanto, acredito que a metodologia experiencial se limita no momento em que assume o papel de analisar a experiência. E, este sempre foi o meu impasse profissional. 

Sou profundamente influenciada pela minha formação em psicologia fenomenológica existencial. Sendo, esta influência,  um fator predominante nas minha escolhas.
A fenomenologia significou um movimento particularmente marcante no desdobramento do pensamento da Civilização Ocidental. Privilegiando-se a fonte de onde eles emergem, a experiência pré-reflexiva, viva, pré-conceitual, pré-teorizante. Como os fenomenólogos costumam chamar: o vivido.
O psicólogo alagoano, Afonso Lisboa da Fonseca, (a quem tive a honra de conhecer e absorver seu conhecimento em alguns encontros da Abordagem Centrada na Pessoa), escreveu em “Trabalhando o Legado de Rogers”:

Constitui-se assim a fenomenologia… como uma atitude fenomenológica, que busca a partir desses níveis originários da experiência e do devir, o nível da intuição originária da vivencia de consciência”. (Fonseca, 1998)

A minha percepção é de que existe uma diferença muito grande entre “estar na natureza” e “em contato com a natureza”. No meu caso, alguns mestres instigaram fortemente meus processos internos, por exemplo: o físico e ambientalista austríaco Fritjof Capra, o teólogo e filósofo Leonardo Boff, e, especialmente São Francisco de Assis. Em “Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres”, um livro extremamente inspirador para mim. Boff traz a percepção de que a natureza não está fora. Natureza está dentro de nós mesmos. Nós somos natureza.

“O mundo e os seus seres estão também dentro do ser humano na forma de arquétipos, símbolos, imagens que habitam nossa interioridade e com as quais devemos dialogar e nos devemos integrar”(Boff, 2004)

Mesmo não adotando uma abordagem puramente fenomenológica-existencial nos alunos da OBB (ou com a NOLS - outra ONG que trabalho), e mesmo sem focar em uma mudança mais visceral durante os cursos, eu percebi  que nos sete anos que atendi em meu consultório, como psicóloga clínica (antes de me tornar educadora ao ar livre), eu vi poucas pessoas entrarem em contato com a sua própria natureza, sua essência, de uma forma tão natural e efetiva, como acontece com outras, no ambiente natural.

A nossa cultura utiliza-se de uma linguagem incutida de racionalidade. Linguagem que é fundamentalmente necessária para resoluções de conflitos, organização e entendimento dos nossos processos cotidianos. Contudo, uma linguagem calcada na globalização de opiniões, pensamentos e idéias, como vemos sendo  disseminadas nos meios digitais de comunicação, afeta a capacidade de um ser genuino, e perturba o espaço íntimo da subjetividade humana.   O filósofo Martin Buber fala da inevitabilidade da coisificação, natural em nossa condição humana. A transformação da dialógica Eu-Tu na objetivação Eu-Isso. 
O mundo e a vida “coisificados” servem ao homem e organizam sua realidade. A possibilidade do Tu, todavia, reside em cada aspecto das coisas e é própria de sua natureza:

“Tudo o que(…) se transformou em ISSO, tudo o que se consolidou em coisa entre coisas, recebeu por sentido o destino de se transformar continuamente. Sempre de novo – tal foi o sentido da hora em que o espírito se apoderou do homem e lhe mostrou a resposta – o objeto deve-se consumir para se tornar presença, retornar ao elemento de onde veio para ser visto e vivido pelo homem como presente”(Fonseca, 1998).

Para se ter um entendimento da Ecopsicologia, acredito que uma das primeiras considerações seria entender que, neste campo existe um tipo de linguagem não linear. A Ecopsicologia denota a importância de nos tornarmos mais conscientes e engajados em outros modelos de comunicação que não o verbal. E, explorar o nível da transcomunicação, uma comunicação que está além da linguagem usual.  Explorar a transcomunicação requer primeiramente que se conheça o Ser a partir de sua dimensão verdadeira, que não é a fisica; reconhecer o fluxo desse Ser, como ele habita, como se manifesta. E também, conectar com nosso ancestral maior a partir do silêncio e da contemplação, possibilitando a abertura de nossa "escuta interna".




São Francisco de Assis, intuitivamente, nos mostrou que este mundo não é mudo, nem inerte, nem vazio; ele é cheio de movimento, de vida, de propósito e de apelos da Divindade. Francisco, aquele que "sentia-se arrastado para as criaturas com um singular e estranhado amor", aquele que não temia as nossas raízes cósmicas; aquele que "parecia um homem de outro mundo", veio nos deixar a lição ecopsicológica : a importância da ternura nas relações humanas e cósmicas.

"Irmãos meus, irmãos meus, Deus me chamou a caminhar a via da simplicidade e ma mostrou. Não quero, pois, que me nomeeis outras regras, nem aquela de Santo Agostinho, nem aquela de São Bernardo, nem aquela de São Bento. O Senhor me revelou sua vontade de que fosse um novo louco no mundo: esta é a ciência à qual Deus quer que nos dediquemos". (Francisco de Assis).

Eu no lago General Carrera - Patagonia Chilena, Março 2012

Para quem interessar mais sobre a Ecopsicologia, tem um artigo do John Scull comentando o livro: "Ecopsychology: Science, Totems and the Technological Species", aqui neste link: http://www.ecopsychology.org/gatherings/. Este livro é uma tentativa dos próprios psicólogos em definir o uso de termos que descrevem e definem este campo.   

Referências:
Gatherings: Journal of the International Community for Ecopsychology. accessed 10 February
2013 http://www.ecopsychology.org/gatherings/.

Scull, John. Let a Thousand Flowers Bloom; A History of Ecopsychology. Gatherings Journal of Ecopsychology.

Boff, Leonardo. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Sextante, 2004.

Fonseca, Afonso L.  Trabalhando o Legado de Rogers. Pedang, 1998.


Mariana Candeia / Mita

20 maio 2013

Nova Conquista no Banguelo: "Lembranças dos Bons Espíritos" (relato)


Brincando com a Luz do SOL depois da escalada.

Neste último domingo revivi algumas boas sensações. Estar na Paraíba, já é um fato que, por si só, acentua meus sentidos e me reconecta com memórias muito significativas. E escalar na Paraíba, tem um gostinho especial. Bom demais.

Fomos eu e meu amigo, escalador paraibano, Wolgrand Falcão à Pedra do Banguelo que fica no município de Caldas Brandão/Cajá, perto da cidade de Campina Grande.

A Pedra do Banguelo é uma excelente opção de escalada para quem mora em João Pessoa (40 minutos) e não tem muita disponibilidade ou tempo de viajar para outros lugares mais distantes como Campina Grande (1:20h); Pedra da Boca (2h) ou Serra Caiada (2:30h). E, o lugar vem sendo muito bem desenvolvido por escaladores de Campina e João Pessoa. Acho que fui lá umas 5 ou 6 vezes e, todas as vezes voltei com muita satisfação. Abrimos uma outra via lá, eu e Bernardo, em uma das vezes que fomos lá (talvez 2007?). Só não lembro o nome da via! :)

Fui me encontrar com Wolgrand e saímos de J.Pessoa quase 07:00h. No caminho tivemos uma conversa muito interessante sobre: Espiritismo, experiências transpessoais, pessoas queridas que se foram e, ego entre escaladores. O município de Cajá é uma boa pedida para desfrutar delícias do Nordeste, então ali, parei para beber uma água de côco e comprar uma tapioca para almoço. Maravilha!

Chegando no Banguelo, um encantamento me assolou. No mês passado fizemos, eu e Tonto, um "tour" de escalada entre Paraíba e Rio Grande do Norte e vimos muita seca! Chegando no Banguelo, eu quase não acreditei: aqueles morros rochosos cheios de vegetação, paisagem bucólica, as vacas pastando. Pensei logo na música cantada pela Elis Regina: "Eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rocks rurais.." Fiquei animada! 

A trilha para este setor é lindamente mantida graças as vacas locais. Uns 25 minutos caminhando, com uma porção bem íngreme no final.  Já começamos a sentir o calor paraibano "de lascar!". 

Eu e Wolgrand depois da suadeira na subida da trilha.
O Wolgrand foi me apresentar as vias do lugar, umas 3 neste setor, e, em seguida foi me mostrar uma fenda que ele tinha tentado subir com um amigo, mas tinham desistido depois de alguns metros.  Quando vi a fenda, foi tipo: "amor à primeira vista"!. Fiquei MUITO mais animada!! Óbvio, que minha opção foi para a conquista, não via a hora subir aquela fenda!



Foto da fenda. Ainda tem 4 metros para baixo, que não apareceu do ângulo que eu estava.
Então lá fomos nós. Eu começei a organizar meu "rack", e o Wolgrand me ajudou muito com as informações baseadas em sua experiência passada. 

Selecionando o equipo

A retinida mágica de Wolgrand.

Quando começei a escalar o sol já estava forte. Deveria ser  9:30 da manhã. A via tem EXCELENTE proteções, a qualidade da rocha é simplesmente maravilhosa! Não tenho certeza que tipo de rocha, mas me parece muito um quartizito. Inclusive, existe milhares de pedaços de quartzo espalhados por todos os lugares, pode-se até ver os pontos brancos no solo desde lá de cima da via, coisa linda!
A rocha estava com terra e musgos secos e também encontrei uns 3 cactos no meio da fenda. Obrigada, Wolgrand, por ter levado o arsenal de peças grandes!!! Oh, GOD! Repeti o #3, #4 e usei ainda  #5 e #6 (opcional) uma vez (Black Diamond). Recomendo 2 jogos. Não usei stoppers. Fitas longas ajudam para a passagem do teto (pela esquerda) e também em uma travessia para a direita depois do teto, senão vai ter um atrito quando entrar no crux: fenda larga, logo depois da travessia na fenda horizontal de dedos.

A via é linda! 100% em móvel, 35 metros de pura fenda, muito poucos movimentos de "face climbing", um lance aqui e ali de aderência. A travessia é "jeitosa" também, mas não é difícil. O crux é a fenda larga depois da travessia, que me fez reclamar um bocadinho! Lembrei na hora da Kika, se ela estivesse ali, estaria rindo muito de minha cara, quando a gente escala, eu evito as fendas largas à qualquer custo! Chegou a minha hora! :) E, foi bom demais!

Fiz a via em 01 "esticão". A corda de 60 metros não chega no chão, rapelando da árvore no topo. A árvore está em perfeitas condições, no entanto, não custa nada fazer um "backup" para o mais pesado descer primeiro e observar. Tinha outras árvores que não estavam boas, lá em cima. 


Registro do crux no rapel.
Enquanto Wolgrand vinha "limpando" a via, eu estava lá em cima na árvore, sentada na sua raiz e contemplando o visual maravilhoso, e um gavião voando de lá pra cá. Lembrei da minha primeira escalada "ever", quando tive uma experiência muito intensa com um gavião. Me senti muito feliz em reconhecer que posso ser raiz e posso ser pássaro também. Que presente é poder se sentir parte do Todo e poder comungar com a magia da Vida.

Demos o nome: "Lembrança dos Bons Espíritos"- 5° VIsup E2. 
Equipo: 2 jogos (até #3) + #5 e #6(opcional).
Corda: 70 metros.
Dica : recomenda-se começar a escalar muito cedo. Wolgrand vomitou depois de concluirmos a via devido ao forte calor ao qual fomos expostos! "Rapadura é doce, mas não é mole não! ". :)

Abraços e Boas Escaladas!
Mita


07 maio 2013

Ser Dançante - (poema)



De repente tem um oceano inteiro como testemunha.
O mar que já acompanhou inquietudes.
Hoje inunda a alma.

De repente tem a voz
A que fala de dentro.

Água transborda da boca como símbolo

E tem aquele,
Que conhece a dança.

Que segura pela mão com convicção
Conduz o corpo
Para dançar com as ondas.

Um oceano inteiro como testemunha.
De uma pérola que encontra seu tesouro:
Lugar de transcendência e fluidez.

Água transborda dos olhos como símbolo.

A pérola, as ondas e o tesouro 
 um Ser no mar.


01 maio 2013

o olho do mato morto - (poema)


reconheceu a presença de outros tempos.
aquela que voltou sem nunca ter ido.
não veio à cavalo, nem com o leão.

como quem conhece as sutilezas na vida.
atravessou os óbvios sinais de morte.

o suor escorria no pescoço
prendeu seu cabelo revelando o pássaro solto
no céu de sua carne queimada do sol.

sentiu seu cheiro
de homem
e de mulher

e passou com seu habituado movimento e precisão.
 eu, mal pude escapar das marcas deixadas por ela.

minha paixão.

Mita - João Pessoa, Paraíba



04 abril 2013

"Enchantment is the oldest form of Medicine" (relato)

my happy soul in Itatiaia - Rio de Janeiro

Esta afirmação do Carl Jung é uma das mais bonitas que já li.  Ela não faz sentido para muitos, mas, para mim, faz sentido absoluto, e ainda, traduz de maneira fiel a maneira que escolho os meus caminhos.

Assim como muitas outras pessoas pelo mundo afora, adotei também um estilo de vida que me permite praticar e exercitar a expansão de minha consciência além da superfície a qual a maioria das pessoas ao meu redor (na nossa sociedade) está habituado. Eu vejo uma nítida diferença e me sinto privilegiada por não fazer parte do grupo da maioria. No meu caso, optei passar mais ou menos 7 meses do ano imersa no mundo natural, muitas vezes com um pequeno grupo de pessoas em lugares remotos, longe de civilização. Convivendo com animais, clima adverso, acompanhando as fases da Lua, e acordando com o Sol, cuidando e deixando que outros e a natureza cuide de mim. Nos outros meses do ano eu escolho ir ainda mais além no exercício de expandir minha consciência. Eu trabalho com uma terapia de cura através de pressão em pontos musculares no corpo e respiração focada. Esta é uma atividade que a cada dia vem ganhando mais espaço na minha vida, porque tem se destacado como uma atividade transpessoal, está além do que a minha mente racional pode explicar. É um trabalho de liberação onde há um mútuo benefício entre as partes.



allowing Nature to heals us - Chilean Patagonia

O corpo é o nosso código mais intenso e a nossa memória mais arcaica. O corpo incorpora a vida. William Reich afirmou que "o corpo é o inconsciente visível". Eu sei que existe uma ressonância direta ocorrendo do meu estado de consciência no momento em que ajudo uma pessoa a acessar este inconsciente visível e sagrado, que é o corpo dela.



Bom, este estilo de vida que eu tenho não "caiu do céu". Ele é, certamente, abençoado, mas nem de longe é "cor-de-rosa". Antes de tudo isto acontecer foi preciso desapegar de um monte de coisas. Coisas boas também.

Escolhas. Eu fiz escolhas conscientes e, inicialmente, as consequências foram muito desagradáveis. Por que não dizer, dolorosas.
Foi o caminho que escolhi, porque desde muito nova eu entendi que a minha consciência é um presente. E também entendi, muito cedo, que este presente deve ser usado junto com a natureza. Aos 8 anos de idade eu já sabia ( em um nível de consciência mais profundo) o que era, essencialmente, importante para mim.


O que eu não entendo é a violência. Ontem, uma amiga me contou do caso da "van em Copacabana". Onde dois turistas americanos, um casal, tomou um transporte público, esta van. E que resultou em um estupro ( da mulher) por mais de 6 horas dentro da van. Como assim?! Isto é muito difícil de aceitar.

O Jung falou também de "Atrophy of Instinct", um grande sintoma patológico de nossa civilização moderna. O que é a ocasionado pela perda do contato com o mundo natural. Este é o viés que mais me convence na busca de um entendimento para tamanha desconexão com outro Ser, com o corpo de outra pessoa. A doença. Causada pela perda da conexão primordial. Nas palavras do meu colega ecopsicólogo Marco Bilibio "a degeneração do inconsciente ecológico". As pessoas vêm perdendo o olhar aberto, simples e natural de tudo e para com todos. Como se existisse parte das pessoas que estão fechados ao próprio movimento da vida.


É basicamente revoltante. Assusta. E é triste. Mas, eu somente confio no poder que tenho recebido da Vida através de minhas experiências pessoais de trocas neste mundo.  Sim, eu acredito que é necessário estender-se para fora do nosso corpo, senão não há relação. Acredito que a cura vem quando a gente consegue projetar a gente mesmo na natureza que está ao nosso redor. Integrar e permitir. Um poder que nenhum de nós deveria desviar-se.

Essa mesma idéia é também reforçada pelo poeta americano David Whyte quando fala sobre  "The Conversational Nature of Reality" : 

"There is no self that will survive to a real conversation, that will survive to meeting with other than yourself. And is in this moment when you meet something other than yourself that all kind of astonishing things happens".


Porque o corpo comunga, e a Vida necessita de comunhão e encantamento.

Nature letting to be healed - street @ Vila Madalena - São Paulo