"The complex interchange we call "language" is rooted in the non-verbal exchange already going on in between our flesh and the flesh of the world"
- David Abram - The Spell of the Sensuous -
- David Abram - The Spell of the Sensuous -
Em 2007, eu estava liderando, juntamente com
mais dois instrutores, uma expedição para a Outward Bound Brasil - OBB
(http://www.obb.org.br), com um grupos de 14 jovens em situação de risco social
(média de 15-17 anos). Este curso
estava acontecendo na Serra da Mantiqueira, no estado de S.Paulo, nas
proximidades com Minas Gerais. O foco do curso era o desenvolvimento
de valores e caráter humanos, alinhada com a missão da OBB - de desenvolver o
potencial de cada indivíduo para cuidar de si, dos outros e do mundo à nossa
volta; através de atividades desafiadoras.
Em um dado momento do curso, planejamos uma
atividade de formação da identidade grupal e um "ritual de passagem". Esta atividade consistia de
uma ascensão à montanha mais alta da região, seguida por um ritual de silêncio
e contemplação e uma cerimônia com instrumentos indígenas (apitos e maracá) e
urucum. Foram momentos incrivelmente fortes para o grupo inteiro. Na medida em
que um aluno pintava o rosto de um colega com urucum, este verbalizava votos de
paz e amor para com o outro e, assim, fomos nos pintando e nos fazendo grupo.
Acabada a cerimônia, descemos e fomos
encontrar onde seria nosso acampamento para aquela noite. Já sabíamos que,
naquele dia, encontraríamos um outro grupo, de adultos, que estava também em um
curso da Outward Bound Brasil, mas, com o direcionamento na Formação de
Educadores ao Ar Livre.
Antes do pôr-do-sol, encontramos o grupo de educadores e, foi
muito bacana o encontro da nossa “tribo”, ainda todos pintados, com eles. Foi,
neste momento, que encontrei com o Marco Aurélio Bilibio, conceituado psicólogo de Brasília (atualmente uma referência nacional em Ecopsicologia,
tendo participado de importantes movimentos socio-ecológicos, incluindo a
Conferência da Onu sobre Sustentabilidade Rio+20). Ali, justamente quando eu
estava com meu rosto pintado de urucum, com meu espírito completamente
integrado, e na força da unidade universal, fomos apresentados e, o Marco
Aurélio olha para mim, bastante admirado e um grande sorriso no rosto e me
pergunta: "O que é isso?" Daí, dessa nossa conversa foi que eu
entendi que o que eu fazia tinha um nome: Ecopsicologia.
O que é Ecopsicologia?
Uma nova área da Psicologia? Tal como a: Psicologia
Organizacional, Psicologia Escolar, Psicologia Clínica, Psicologia Jurídica,
Psicologia Hospitalar?
A primeira definição "formalizada" do campo da Ecopsicologia foi dada pelo
historiador social americano Theodore Roszak, em: “Voice of the Earth” (1992).
Ainda na década de 70 o Roszak já tinha escrito algumas idéias centrais deste
campo. Em “The Nature of Sanity”(1996), ele aponta para a importância de que os
psicólogos, ao invés de analizarem e rotularem exaustivamente diversas formas
de disfunção na sexualidade, na família, nas relações sociais, voltassem seus
olhares para a disfunção de nossa relação com o Meio-Ambiente. Naquela época,
Roszak afirmou que, a insanidade humana se apresentava a partir de uma
profunda desconexão ecológica. E, sugeria que se a nossa cultura se encontra fora do
equilíbrio com a natureza, todas as outras relações de nossa vida serão afetadas: família, trabalho, escola, comunidade.
Esta, nada mais é, do que a autêntica perspectiva das antigas tradições
indígenas. Os nossos ancestrais nos ensinam que a natureza cura e que tudo está interligado. Infelizmente,
nossa cultura, em uma escala mais abrangente, não aplica este conhecimento ancestral. Mas, por outro lado, felizmente, esta linha de pensamento vem sendo seguida, expandida e difundida
por grande número de autores e ecopsicólogos no mundo inteiro.
Coroa de Frade - sertão paraibano, maio 2013 |
A realidade é que Ecopsicologia não é um campo provindo
unicamente da ciência da Psicologia. Ecopsicologia tem várias raízes: Filosofia
Budista, o movimento romântico na Europa, movimentos transcendentais nos
Estados Unidos, tradicões místicas dentro de muitas religiões, Xamanismo,
Taoismo – estas correntes sempre tiveram importantes respostas a nos dizer
sobre questões de Ecopsicologia. Ecologistas já consideravam vários aspectos
desta relação humano-natureza, especialmente: John Muir e Aldo Leopold. Eles são
verdadeiros ancestrais intelectuais da Ecopsicologia.
A obra de Carl Jung é também considerada uma das contribuições mais valiosas para o
campo da Ecopsicologia.
Além disso, antes mesmo de Roszak, no começo dos anos 60,
Michael Cohen, Robert Greenway, Art Warmoth começaram a usar o ambiente
natural/”selvagem” como ferramenta para a educação e psicoterapia.
Bom, era isso que eu estava fazendo quando trabalhava o curso da
Outward Bound. “Silenciosamente”, eu praticava e exercia Ecopsicologia. Sim,
silenciosa e espontaneamente, pois apesar de ser psicóloga, meu papel na ONG
não tinha nenhuma relação em utilizar a expedição e o ambiente natural como um
veículo para a realização de ecoterapia. Nesta ONG eu sou educadora ao ar
livre. Sigo uma metodologia de ensino conhecida como: Educação Experiencial, a
qual enfatiza que o ciclo de aprendizagem se dá através da experiência, e esta, produzindo um conteúdo que é fundamental para uma reflexão
intencional, e, a partir desta reflexão, uma modificação ou transformação pode acontecer.
No entanto, as etapas desse processo de reflexão/transformação pode ser vivenciado em vários níveis: intelectual, cognitivo, emocional,
psicológico, espiritual. O trabalho que desenvolvia na OBB, tinha o foco de
mudança de valores e, consequentemente, ações humanas, ali, na expedição e uma
transferência daquele conhecimento para a vida de cada indivíduo pós-curso.
O que eu, Mita, sempre ambicionei, além da fabulosa missão da
ONG, era a Ecopsicologia. Uma tentativa de resgatar a conexão primordial do ser
humano. Uma tentativa de, naquele momento de vida daqueles jovens - que,
certamente, era um momento precioso - cuidar da relação humano-natureza. No entanto,
acredito que a metodologia experiencial se limita no momento em que assume o papel de analisar a
experiência. E, este sempre foi o meu impasse profissional.
Sou profundamente
influenciada pela minha formação em psicologia fenomenológica existencial. Sendo, esta influência, um fator
predominante nas minha escolhas.
A fenomenologia significou um movimento particularmente marcante
no desdobramento do pensamento da Civilização Ocidental. Privilegiando-se a
fonte de onde eles emergem, a experiência pré-reflexiva, viva, pré-conceitual,
pré-teorizante. Como os fenomenólogos costumam chamar: o vivido.
O psicólogo alagoano, Afonso Lisboa da Fonseca, (a quem tive a
honra de conhecer e absorver seu conhecimento em alguns encontros da Abordagem
Centrada na Pessoa), escreveu em “Trabalhando o Legado de Rogers”:
“Constitui-se assim a fenomenologia… como uma atitude
fenomenológica, que busca a partir desses níveis originários da experiência e
do devir, o nível da intuição originária da vivencia de consciência”. (Fonseca,
1998)
A minha percepção é de que existe uma diferença muito grande
entre “estar na natureza” e “em contato com a natureza”. No meu caso, alguns
mestres instigaram fortemente meus processos internos, por exemplo: o físico e
ambientalista austríaco Fritjof Capra, o teólogo e filósofo Leonardo Boff, e,
especialmente São Francisco de Assis. Em “Ecologia: Grito da Terra, Grito dos
Pobres”, um livro extremamente inspirador para mim. Boff traz a percepção de
que a natureza não está fora. Natureza está dentro de nós mesmos. Nós somos
natureza.
“O mundo e os seus seres estão também dentro do ser humano na
forma de arquétipos, símbolos, imagens que habitam nossa interioridade e com as
quais devemos dialogar e nos devemos integrar”(Boff, 2004)
Mesmo não adotando uma abordagem puramente
fenomenológica-existencial nos alunos da OBB (ou com a NOLS - outra ONG que trabalho), e mesmo
sem focar em uma mudança mais visceral durante os cursos, eu percebi que nos sete anos que atendi em meu
consultório, como psicóloga clínica (antes de me tornar educadora ao ar livre), eu vi
poucas pessoas entrarem em contato com a sua própria natureza, sua essência, de
uma forma tão natural e efetiva, como acontece com outras, no ambiente natural.
A nossa cultura utiliza-se de uma linguagem incutida de racionalidade. Linguagem que é fundamentalmente necessária para resoluções de conflitos, organização e entendimento dos nossos processos cotidianos. Contudo, uma linguagem calcada na globalização de opiniões, pensamentos e idéias, como vemos sendo disseminadas nos meios digitais de comunicação, afeta a capacidade de um ser genuino, e perturba o espaço íntimo da subjetividade humana. O filósofo Martin Buber fala da
inevitabilidade da coisificação, natural em nossa condição humana. A transformação
da dialógica Eu-Tu na objetivação Eu-Isso.
O mundo e a vida “coisificados” servem ao homem e organizam sua
realidade. A possibilidade do Tu, todavia, reside em cada aspecto das coisas e é
própria de sua natureza:
“Tudo o que(…) se transformou em ISSO, tudo o que se consolidou
em coisa entre coisas, recebeu por sentido o destino de se transformar
continuamente. Sempre de novo – tal foi o sentido da hora em que o espírito se apoderou
do homem e lhe mostrou a resposta – o objeto deve-se consumir para se tornar
presença, retornar ao elemento de onde veio para ser visto e vivido pelo homem
como presente”(Fonseca, 1998).
Para se ter um entendimento da Ecopsicologia, acredito que uma das primeiras considerações seria entender que, neste campo existe um tipo de linguagem não linear. A Ecopsicologia denota a importância de nos tornarmos mais conscientes e engajados em outros modelos de comunicação que não o verbal. E, explorar o nível da transcomunicação, uma comunicação que está além da linguagem usual. Explorar a transcomunicação requer primeiramente que se conheça o Ser a partir de sua dimensão verdadeira, que não é a fisica; reconhecer o fluxo desse Ser, como ele habita, como se manifesta. E também, conectar com nosso ancestral maior a partir do silêncio e da contemplação, possibilitando a abertura de nossa "escuta interna".
São Francisco de Assis, intuitivamente, nos mostrou que este mundo não é mudo, nem inerte, nem vazio; ele é cheio de movimento, de vida, de propósito e de apelos da Divindade. Francisco, aquele que "sentia-se arrastado para as criaturas com um singular e estranhado amor", aquele que não temia as nossas raízes cósmicas; aquele que "parecia um homem de outro mundo", veio nos deixar a lição ecopsicológica : a importância da ternura nas relações humanas e cósmicas.
"Irmãos meus, irmãos meus, Deus me chamou a caminhar a via da simplicidade e ma mostrou. Não quero, pois, que me nomeeis outras regras, nem aquela de Santo Agostinho, nem aquela de São Bernardo, nem aquela de São Bento. O Senhor me revelou sua vontade de que fosse um novo louco no mundo: esta é a ciência à qual Deus quer que nos dediquemos". (Francisco de Assis).
Para quem interessar mais sobre a Ecopsicologia, tem um artigo do John Scull comentando o livro: "Ecopsychology: Science, Totems and the Technological Species", aqui neste link: http://www.ecopsychology.org/gatherings/. Este livro é uma tentativa dos próprios psicólogos em definir o uso de termos que descrevem e definem este campo.
Referências:
Gatherings: Journal of the International Community for Ecopsychology. accessed 10 February
2013 http://www.ecopsychology.org/gatherings/.
Scull, John. Let a Thousand Flowers Bloom; A History of Ecopsychology. Gatherings Journal of Ecopsychology.
Boff, Leonardo. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Sextante, 2004.
Fonseca, Afonso L. Trabalhando o Legado de Rogers. Pedang, 1998.
Mariana Candeia / Mita
2 comentários:
Mitinha, quer as fotos desse dia? Parabéns pelo texto!
Beijos, Tonhão
Adorei o texto, Mita, muito bom! Estava outro dia mesmo pensando em vc, pois me dei conta que tirou seu perfil do FB, e fiquei sem ter nenhuma notícia sua. Hj o Rodrigo postou este texto e te achei! Estou fazendo pós em Agricultura Biodinâmica, em Botucatu, e tenho tido aulas de Fenomenologia, então curti bastante o que vc escreveu. Espero que esteja bem e feliz! Grande abraço!
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