Comecei a escalar tarde, com 25 anos. Não imaginava que através da escalada, eu fosse ter um dos encontros e descobertas mais espetaculares de minha vida.
Era 30 de abril de 2005. Minha primeira viagem para escalar no Rio de Janeiro. O plano era encontrar uns amigos e amigos de amigos no Grajaú e, escalar o Perdido do Andaraí. Lembro, com todos os detalhes do nosso primeiro encontro. Foi uma experiência incrivelmente forte.
À medida em que nos olhávamos, muitas sensações novas começavam a chegar dentro de mim. Naquele instante, todas as pessoas e o lugar inteiro desapareceu e, pela primeira vez, eu tive essa visualização totalmente incompreensível e, no entanto, absurdamente impactante: um túnel estreito de energia, de cor azul reluzente se formou entre ele e eu.
Não entendi nada. Também não pensei nada. Mas ficou dentro de mim uma inquietação enorme. Não sei quanto tempo aquela imagem durou. Junto com isto, veio o pensamento: " nossa! Ele isso realmente existe!"
Naquele dia e no seguinte só pude sentir o efeito muito agradável de uma mudança interna extremamente saborosa. Logo surgiu uma grande excitação e entusiasmo em se descobrir e, ao mesmo tempo re-conhecer um ao outro, pois o movimento foi recíproco. Era muito esquisita esta sensação de como se, no fundo, a gente estava se reencontrando.
O que se segue depois não caberia nem mesmo em um só livro. A realidade daquele momento era que cada um vivia sua vida em momentos bastante distintos, éramos felizes e muito realizados. Mas, não se havia nenhuma maneira de negar o que estava se passando conosco. Sem dúvida, esta seria uma relação intensa e muito interessante.
Então, aceitamos um grande desafio. Uma aceitação difícil e um processo muito complicado. Embarcamos em uma jornada que implicou em muitas perdas, mas em muitos ganhos também. Em muita dor, mas, em muita alegria também.
Honestamente, demorou muito até a gente entender o que verdadeiramente estava acontecendo e o que exatamente nos impulsionava na direção um do outro.
Amor? Atracão? Desejo? Admiração?
O fato é que: existia um sentimento comum e compartilhado extremamente genuíno e peculiar.
O que realmente movia era este comprometimento com um sentimento que se mostrava mais sólido e
intenso do que qualquer configuração de relacionamento que tentamos em 5 anos.
Sempre houve muita conversa, sem dúvida, esse era nosso assunto preferido, especialmente depois de algumas doses de cachaça. E a gente, então, se transportava facilmente para uma outra dimensão.
A gente se deliciava em somente ver e sentir a felicidade do outro, sem os apegos tradicionais de nossa cultura. No fundo, a gente se orgulhava da nossa coragem de viver uma relação não convencional. A gente tinha muito prazer na nossa conexão.
Depois de um tempo ficou claro de compreender melhor esta espécie de "fascínio" que existia: que era a descoberta da possibilidade de viver uma relação com alguém que se ama de uma maneira que transcende a esfera deste plano físico, palpável.
Eu honro profundamente este encontro. Um verdadeiro presente que a Vida me deu. Muito valiosa a experiência de amar alguém que partilha de uma mesma percepção de mundo que a sua. Especialmente quando esta percepção vai de encontro a fortes paradigmas sócio-existenciais. A gente depositava a mesma energia, o mesmo valor e o mesmo respeito tanto na parte que tínhamos em comum, na cumplicidade compartilhada, como também nos nossos campos individuais.
O que a gente queria acima de tudo era ser feliz! E a nossa "onda" sempre foi a de viver a felicidade do outro como se fosse a sua própria felicidade. De ajudar e motivar o outro a buscar seu próprio caminho.
Não demorei a reconhecer que Bernardo era além de um parceiro amoroso. Assim como, ele reconhecia que a nossa conexão se passava em outra esfera. Sempre houve um respeito muito grande por este nosso "mistério".
Nos últimos 2 anos, os nossos encontros foram minimizando e ficando mais espaçados. E cada vez que acontecia, era mágico. Cada segundo que a gente podia estar fisicamente perto era muito valorizado e vivido com a consciência de um momento precioso .
No ultimo dia de 2010, recebi 3 e-mails dele. Um dia antes dele sair para escalar a sua última montanha. Senti paz e tranqüilidade no que havia escrito ali. Falou da nossa magia. E me escreveu o que eu deveria fazer daqui para frente.
2 dias depois eu acordei sem poder falar. Uma dor inexplicável na minha garganta, de repente, não conseguia sequer engolir minha própria saliva. Doía muito. Chorei de tanta dor. E quando chorava, senti mais vontade de chorar. Um choro que não sabia de onde vinha. Na hora senti como uma angústia.
Mais 2 dias e fiquei sabendo que ele tinha ficado la em cima, no Fitz.
Com a morte de Bernardo se inicia uma nova perspectiva na minha vida. É isso que é a morte: um nascimento.
Fica para mim o claro entendimento que o limite para amar somos nós mesmos que colocamos.
Fica para mim o entendimento que ele encerrou sua missão aqui e, que a minha segue, assim como ele fala: linda caminhada...
Fica claro para mim que eu ainda vou entender muitas coisas que não consigo enxergar agora. Mas com uma forte sensação de que o que vivemos tem muito a ver com o que estar por vir.
Que tesouro você me deixou!
Espero ansiosa te reencontrar, com muita sorte, ainda nesta vida!
Bons vôos, meu pássaro lindo...