24 dezembro 2008

RECICLAGEM ECO-PSICOLÓGICA - (artigo)

Por que certas pessoas têm uma força que as torna invulneráveis à impotência? E, por que outras desistem ao menor sinal de problema?

A evolução humana nos dotou de sentimentos positivos e negativos. Mas, o que determina a escolha de cada um deles, em determinados momentos e situações de nossa vida? O que permite e o que impede estas emoções?

Certo dia estava escutando aquela música cantada pelo Milton Nascimento: “Maria, Maria” e meu pensamento parou naquela frase que fala: “ de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aquenta”. Fiquei pensando em como nossa sociedade tem se comportado diante das angústias e fracassos da nossa atual civilização e, em como as pessoas têm reagido aos infortúnios, aos obstáculos e desafios de nossa cultura pós-moderna.
Infelizmente, passo a concordar que existe realmente uma categoria de respostas, não somente pessoais, mas, sobretudo, coletiva. E nesta categoria as pessoas estão vivenciando e interagindo com o universo, com os outros e consigo mesmo, através de uma “camuflagem” de valores essenciais para a vida e ainda persistindo no exercício da dominação.


Fico inquieta quando vejo reportagens e bibliografias surgindo desenfreadamente aos quatro cantos sobre: “como alcançar a felicidade”. Teorias e mais teorias, publicações como que receitas de bolo, algumas até bem interessantes trazendo exemplos de ícones importantes na história como Buda, Gandhi, Jesus Cristo, Madre Tereza, Dalai Lama. Acredito que estas pessoas iluminadas realmente servem de motivação e nos trazem estímulo fundamental, mas, sem dúvida alguma, não acredito que um sentimento tão visceral e essencial para a vida, como a felicidade, venha através de soluções rápidas. Este sentimento maior vem mais prontamente do exercício das forças de cada um, do exercício das virtudes de cada um, da forma mais autêntica do ser humano se expressar.


Eu poderia estudar mais a fundo esta afirmação e trazê-la com propriedade científica, mas, neste momento estou aqui com a minha sensação, minha vivência, que é ao mesmo tempo meu motor e minha engrenagem; meu ouvido e minha voz. Então, tudo me parece que a psicologia do século XX, realmente deixou uma marca forte na civilização. Uma psicologia com foco nas doenças, nos transtornos, desvios e distúrbios. Não somente ela, mas todo o pensamento cartesiano difundido pós revolução industrial e que nos domina há mais de 400 anos.


A criação da ciência da doença mental parece ter dominado em demasia os modelos de pensamento, sentimentos e de ação. As pessoas estão por todas as partes colocando rótulos, medindo, avaliando e diagnosticando seus próprios atos e o que é ainda pior, os dos outros.


Há uns meses atrás, um evento me ocorreu e senti muita tristeza, estava realmente infeliz e frustrada. Quando tenho sentimentos assim, que classifico como negativos (não porque são ruins, mas por me colocarem em baixa motivação), vivo o que preciso viver com aquela experiência, mas, logo me sinto desconfortável, não suporto conviver com aquela inconveniência por muito tempo. Penso que deixar um sentimento de angústia e tristeza assentar dentro de mim não é algo justo comigo mesma. Faz parte dos ciclos da vida, do nascer e morrer do qual faço parte. Mas, honestamente, não faz parte de minha essência.
Nós realmente precisamos destes “terremotos” e “tempestades”. E eu precisava daquilo. São estas situações que nos trazem, muitas vezes, a oportunidade de “abrir a cortina”, em outras palavras, enxergar o que você nunca conseguiu focar. Estas situações, também acabam se transformando no botão de “start” para acionar dentro de nós, mais uma vez, a confiança e o entusiasmo para a vida. Além de serem os melhores momentos para demonstração de nossas forças.

Em se tratando de mudar alguma coisa, eu percebo que o exercício da vontade, se torna muito mais importante do que tentar reorganizar fatores externos. Ultimamente eu tenho pensado que podemos dar um “destino” a tudo que produzimos. Acho que a gente pode começar a trabalhar ecologicamente dentro de nós: usar adequadamente o que for útil; dar um encaminhamento ao que for excesso e, reciclar os lixos que produzimos em nós mesmos.
Inicialmente, devemos considerar que nós produzimos muito material dentro de nós, diariamente e ao longo de nossa vida (sem falar naquilo que nós já carregamos porque alguém nos colocou em determinado momento). Imagine a quantidade de sensações, pensamentos, sentimentos, comportamentos, idéias, conceitos, pelos quais você passa ao longo de 24 horas. Muitos deles são voluntários, outros involuntários, alguns espontâneos, outros conscientes, outros inconscientes; positivos ou negativos. De uma forma ou de outra, tudo o que você vivencia faz parte de seu processo. E, quer queira ou não, você terá que lidar com isto.


Uma primeira atitude é a tomada de consciência do que você está produzindo. Que tipo de idéias, julgamentos, sentimentos? O que você vem semeando ou nutrindo? Você deve ter clareza com quais cores você está escolhendo pintar o seu universo. Como você está se conectando com os outros, com o mundo e com seu interior?
Para a Ecopsicologia (abordagem que cada dia mais vem tomando corpo e força no Brasil), assim como para outras abordagens da Psicologia, a infância é um estágio crucial no desenvolvimento da vida. O cerne da questão é que a criança, por sua natureza essencial traz uma relação animísta com o mundo natural, ela reconhece o ser, consegue ter uma relação em um nível íntimo, pois seu inconsciente ecológico é regenerado quando nasce. E, através de sua interação com o meio, com a cultura que a cerca, vai havendo uma modelação nesta relação. Esta conexão primária vai sendo desqualificada por uma série de posturas e sentimentos que o “normal” da cultura exige.
Eu realmente tenho intensas lembranças de infância em contato profundo com a Natureza, vivências que foram extremamente significativas na formação de minha personalidade. Cada um de nós viveu algo assim, nem precisamos fazer tanto esforço para lembramos de algum momento marcante com a vida natural na nossa infância (seja com animais, plantas, mar, rios, florestas, montanhas, etc).


E também observo que depois desta fase perdi muito desta conexão, vindo somente a me reconectar quando descobri a escalada e montanhismo, na fase adulta. Acho que sou capaz de entender razões pelas quais algumas pessoas sentem-se impotentes perante a vida e, porque algumas pessoas desistem no menor sinal de dificuldade.





Eu acredito que pessoas assim perderam esta conexão primordial, ou melhor, ainda não resgataram-na. Ainda não são capazes de reconhecer as relações e os sistemas dos quais fazem parte; ainda não enxergam vida por toda parte; ainda não deixaram que este sentimento de pertencimento crescesse dentro de si.


O mundo está tão desumano, a obsessão pelo poder regendo o dia-a-dia das pessoas, a compulsividade pelo consumo, a violência desenfreada, os enormes problemas sociais que vão aparecendo, a dominação da natureza, o crescimento sem limites, isto é realmente assustador e assola muita gente. Mas, o que ainda mais me assusta é ver as pessoas “embarcando” nesta. E o que é pior, nem sei se todos têm a consciência da escolha que estão fazendo, e as consequências desta para suas vidas.


Então, o passo seguinte, depois que você tiver a consciência do que está produzindo, é distinguir o que é importante ou não, o que lhe útil ou inútil. Você é o único responsável em fazer esta seleção. Muitos destes nossos materiais internos podem ser adequadamente utilizados e outros, no entanto, totalmente dispensáveis: não-recicláveis, não-reutilizáveis. Previamente distinguidos uns dos outros, este processo pode ser um gratificante caminho de vida, pois você se tornará gerenciador de seu próprio “lixo”, ajudando a minimizar a poluição que está ao seu redor. Percebendo que você nem precisa adquirir tanto, nem produzir tanto; e descobrindo que todos os recursos se encontram dentro de você mesmo.



OLHE PARA A BELEZA DE SUA VIDA





Eu realmente aconselharia a você fazer esta campanha ambiental dentro de você. Obviamente, estou falando de uma intervencão pessoal psicológica, não somente queremos ter sentimentos positivos, nós queremos ter direito a eles. E este é um modelo que não tenta remediar as deficiências, mas, intensificar as forças e virtudes.


São as nossas forças pessoais que produzem nosso bem-estar, mas toda emoção positiva desligada do exercício do caráter leva ao vazio, à inverdade e à depressão. Não se trata somente de ter uma vida boa, mas uma vida significativa. O exercício de suas forças vão de encontro à um propósito maior, aos seus valores e ao que você sente como adequado à você.


Eu quero uma vida que traga sentido para mim. Não quero viver uma vida onde na relação entre as pessoas existe espaço para o desrespeito e desconsideração; onde a relação com a natureza é destrutiva. Eu tenho tranquilidade em afirmar que estou aqui para viver da forma que acho que devo viver. Não estou aqui por conveniência social, para sobreviver ou somente ganhar meu dinheiro.

Por isto, escolho aderir a algo maior, não espero por nenhum milagre ou intervenção de Deuses (apesar de acreditar que existem fenômenos que desconhecemos e que atuam sobre nós), acredito muito na minha força pessoal, na minha capacidade de auto-regulação, na minha tendência atualizante, no exercício de minhas ações em congruência com meus valores. Acredito na minha ancestralidade e na herança da sabedoria ecológica que me foi dada.

Acredito no poder da Natureza, no poder das pessoas e do grupo. Este encontro profundo que podemos fazer com a Natureza exterior e a Natureza interior provoca mudanças significativas no nosso modo de pensar, sentir e agir. Existe um potencial enorme nesta relação, atingindo a esfera da saúde global: física, mental, espiritual.

Viver é a proposta de minha vida. E viver para mim significa: paixão, respeito e amor. Algumas vezes nós somos tocados por experiências negativas, eu também acredito que um NÃO pode ser uma excelente oportunidade. Uma oportunidade de você Vir, de Ir, de Ser e de Sentir.

Vida para mim é uma grande oportunidade. E por isto adoto uma postura receptiva com ela, me comportando não somente com abertura ao novo, mas com entusiasmo e interesse em aprender com a diversidade; exercitando minha humildade em reconhecer que sei muito pouco, fortalecendo minha força de vontade e perseverança; e assumindo a minha autenticidade e integridade. Esta é a minha reciclagem.

A Natureza tem me proporcionado lindos encontros, a mais real e honesta troca de energia. Somente tenho que agradecer à Vida.

Em um só ano vivi ricas experiências em ambientes naturais como:
Escalei em um dos lugares mais lindos da Patagônia Argentina; tive alucinações devido à hipotermia; vivi o mais estressante e arriscado momento outdoor de minha vida em um glaciar (realmente eu pensei que fosse morrer). Passei noites em claro deslumbrada com o incrível céu negro estrelado do deserto da Namibia; escalei em um dos lugares mais cênicos do continente africano; estive na junção dos oceanos Atlântico e Índico; acordei de madrugada para poder ver uma Cheeta e outros animais selvagens em seu habitat e comportamento naturais na África do Sul; vi uma leoa devorar uma girafa. Comi minhocas na África e gostei muito; acordei várias noites na barraca para tudo não ser devorado por formigas cortadeiras na Amazônia; por três dias presenciei a dança harmônica e pontual de milhares de andorinhas entrando como foguetes dentro de um cânyon magnífico ao por do sol, no cerrado do Mato Grosso; vi lindos pássaros, araras e tucanos diariamente durante um mês; dormi em cima de pedras sob a lua cheia e canto de sapos selvagens; mergulhei em muitas águas, cachoeiras, poços; nadei em uma gruta inundada de água azul translúcida na Chapada Diamantina; estive cara a cara com a triste devastação causada pelo fogo nas queimadas da Bahia; deixei ser levada na canoa pela correnteza de um rio. Tive a barraca inundada por uma chuva torrencial inesperada, presenciei a incrível dinâmica das águas, enchendo rios avassaladoramente; vi milhares de cigarras se transformando em plena chuva; revivi a sensação maravilhosa de descer ondas surfando.
Falam que Gratidão é a apreciação da excelência do caráter moral de alguém. Eu sinto uma gratidão generalizada. Estas vivências contribuem na minha evolução pessoal e profissional, mas, o que me enriquece profundamente são os encontros com as pessoas.


Cada pessoa que conheci, tinha uma diferente beleza interior, alguma coisa que elas nem sempre tinham a consciência de que estavam revelando, mas, de alguma maneira, eu conseguia enxergar a partir da confiança e comunicação. Eu me sinto feliz de fato em ser capaz de ver estes momentos de revelação nas pessoas. E por elas terem adicionado valor e beleza no meu caminho.


Dia desses estava pensando nisto tudo e percebi que, aos pouquinhos, meu caminho está sendo criado a partir de profundas experiências pessoais. Amadurecendo e Desprendendo. Revisando e Integrando. E, aproveitando as chances que tenho para desenvolver minha habilidade de me livrar de meus medos e ajudar as pessoas a fazerem o mesmo por elas. Voltando à frase da música do Milton Nascimento: que elas deixem de “agüentar” a vida e passem a vivê-la plenamente.

Quando estive na África do Sul, eu vi de perto o quanto foi duro e longo o processo deles até a Libertação. Liberdade não é algo fácil de se conquistar. O povo africano descobriu que não necessariamente tinham que lutar, mas acima de tudo, não podiam deixar de agir ou simplesmente cruzar os braços. Eles puderam me acrescentar esta lição.



FELIZ 2009!!!
Beijos!
Mariana (Mita)

10 dezembro 2008

I Saw The Blue Light Again - (poema)


Que túnel é aquele que eu entrei?
Eu pensei que estava acompanhada, mas, estava só.
Eu pensei que a atmosfera fosse cósmica, no entanto, era cármica.
Eu pensei que o amor viesse em cores.
Não é possível que eu tenha dormido todo este tempo...
O espelho me acordou.
Naquela manhã dos meus olhos inchados;
Naquela manhã da mão quente na barriga
Naquela manhã em que ela, novamente chegou...azul.
E que eu, ao invés de chorar,
sorri ao nascer.
-Mariana Candeia, Rio, 06/11/08 -

14 maio 2008

FOMENTO - (poema)

trabalha o universo
eu não aquieto
não.
queria ir a toda velocidade
queria ir logo
quero sair


ah... energia incessante
eu penso que vou cair
mas, eu suporto, e
ultrapasso
coloco os dois pés no chão
sinto a base
renovo


ja me chamaram de guerreira
de joana d'arc
de índia velha
olho no reflexo e a imagem ainda não chegou
só o espírito
a alma pela metade
ainda a nascer


difícil é matar
fazer morrer
deixar morrer
para poder
deixar viver.


Mita - Rio de Janeiro- 14 de maio - 2008

15 abril 2008

TRANS - PIRAÇÃO - (poema)


o tempo substancializa
o momento determina
a glândula elimina
e tudo que antecede vem como uma descarga
piração deveria vir do fogo,
ação do fogo.
mas, a piração vem da gente
do estado alterado que transcende o fogo
não deforma
não queima
não retém
assim como a "loucura"
alastra
assim como o fogo
é trans
leva
atravessa para algum lugar
para fora
e tudo que sucede vem como um alivio
-mariana candeia, são paulo, abril, 2008 -

14 março 2008

A Casa do Gigante - (poema)


Curiosidade, encanto
descobertas e sonhos
nos faziam entrar

Logo, fui percebendo que no chão, a dureza do gelo não era a mesma da alma.
Vendo que aquele já se desfazia e derramava,
O que se sentia era fragilidade.

Antagonicamente, com sua violência eólica, os corpos eram esbofetados pelos braços invisíveis, em todos os cômodos.

As paredes não puderam ser tocadas.

O teto.... o teto antes azul, se fechou para o sol.
Acolhedor e caloroso

Até que, com 03 berros de sua garganta, o gigante expulsou 06.

Quero, então, um convite para entrar!


Mariana Candeia - El Chalten , fevereiro 2008