17 janeiro 2011

Em nome do que não se vê (relato)


Comecei a escalar tarde, com 25 anos. Não imaginava que através da escalada, eu fosse ter um dos encontros e descobertas mais espetaculares de minha vida.

Era 30 de abril de 2005. Minha primeira viagem para escalar no Rio de Janeiro. O plano era encontrar uns amigos e amigos de amigos no Grajaú e, escalar o Perdido do Andaraí. Lembro, com todos os detalhes do nosso primeiro encontro. Foi uma experiência incrivelmente forte.

À medida em que nos olhávamos, muitas sensações novas começavam a chegar dentro de mim. Naquele instante, todas as pessoas e o lugar inteiro desapareceu e, pela primeira vez, eu tive essa visualização totalmente incompreensível e, no entanto, absurdamente impactante: um túnel estreito de energia, de cor azul reluzente se formou entre ele e eu.

Não entendi nada. Também não pensei nada. Mas ficou dentro de mim uma inquietação enorme. Não sei quanto tempo aquela imagem durou. Junto com isto, veio o pensamento: " nossa! Ele isso realmente existe!"

Naquele dia e no seguinte só pude sentir o efeito muito agradável de uma mudança interna extremamente saborosa. Logo surgiu uma grande excitação e entusiasmo em se descobrir e, ao mesmo tempo re-conhecer um ao outro, pois o movimento foi recíproco. Era muito esquisita esta sensação de como se, no fundo, a gente estava se reencontrando.

O que se segue depois não caberia nem mesmo em um só livro. A realidade daquele momento era que cada um vivia sua vida em momentos bastante distintos, éramos felizes e muito realizados. Mas, não se havia nenhuma maneira de negar o que estava se passando conosco. Sem dúvida, esta seria uma relação intensa e muito interessante.

Então, aceitamos um grande desafio. Uma aceitação difícil e um processo muito complicado. Embarcamos em uma jornada que implicou em muitas perdas, mas em muitos ganhos também. Em muita dor, mas, em muita alegria também.

Honestamente, demorou muito até a gente entender o que verdadeiramente estava acontecendo e o que exatamente nos impulsionava na direção um do outro.
Amor? Atracão? Desejo? Admiração?

O fato é que: existia um sentimento comum e compartilhado extremamente genuíno e peculiar.
O que realmente movia era este comprometimento com um sentimento que se mostrava mais sólido e
intenso do que qualquer configuração de relacionamento que tentamos em 5 anos.
Sempre houve muita conversa, sem dúvida, esse era nosso assunto preferido, especialmente depois de algumas doses de cachaça. E a gente, então, se transportava facilmente para uma outra dimensão.

A gente se deliciava em somente ver e sentir a felicidade do outro, sem os apegos tradicionais de nossa cultura. No fundo, a gente se orgulhava da nossa coragem de viver uma relação não convencional. A gente tinha muito prazer na nossa conexão.

Depois de um tempo ficou claro de compreender melhor esta espécie de "fascínio" que existia: que era a descoberta da possibilidade de viver uma relação com alguém que se ama de uma maneira que transcende a esfera deste plano físico, palpável.

Eu honro profundamente este encontro. Um verdadeiro presente que a Vida me deu. Muito valiosa a experiência de amar alguém que partilha de uma mesma percepção de mundo que a sua. Especialmente quando esta percepção vai de encontro a fortes paradigmas sócio-existenciais. A gente depositava a mesma energia, o mesmo valor e o mesmo respeito tanto na parte que tínhamos em comum, na cumplicidade compartilhada, como também nos nossos campos individuais.

O que a gente queria acima de tudo era ser feliz! E a nossa "onda" sempre foi a de viver a felicidade do outro como se fosse a sua própria felicidade. De ajudar e motivar o outro a buscar seu próprio caminho.

Não demorei a reconhecer que Bernardo era além de um parceiro amoroso. Assim como, ele reconhecia que a nossa conexão se passava em outra esfera. Sempre houve um respeito muito grande por este nosso "mistério".

Nos últimos 2 anos, os nossos encontros foram minimizando e ficando mais espaçados. E cada vez que acontecia, era mágico. Cada segundo que a gente podia estar fisicamente perto era muito valorizado e vivido com a consciência de um momento precioso .

No ultimo dia de 2010, recebi 3 e-mails dele. Um dia antes dele sair para escalar a sua última montanha. Senti paz e tranqüilidade no que havia escrito ali. Falou da nossa magia. E me escreveu o que eu deveria fazer daqui para frente.

2 dias depois eu acordei sem poder falar. Uma dor inexplicável na minha garganta, de repente, não conseguia sequer engolir minha própria saliva. Doía muito. Chorei de tanta dor. E quando chorava, senti mais vontade de chorar. Um choro que não sabia de onde vinha. Na hora senti como uma angústia.

Mais 2 dias e fiquei sabendo que ele tinha ficado la em cima, no Fitz.

Com a morte de Bernardo se inicia uma nova perspectiva na minha vida. É isso que é a morte: um nascimento.
Fica para mim o claro entendimento que o limite para amar somos nós mesmos que colocamos.
Fica para mim o entendimento que ele encerrou sua missão aqui e, que a minha segue, assim como ele fala: linda caminhada...

Fica claro para mim que eu ainda vou entender muitas coisas que não consigo enxergar agora. Mas com uma forte sensação de que o que vivemos tem muito a ver com o que estar por vir.

Que tesouro você me deixou!
Espero ansiosa te reencontrar, com muita sorte, ainda nesta vida!

Bons vôos, meu pássaro lindo...

13 janeiro 2011

Obrigada pelos pássaros cantando... (poema)

Então, finalmente chegou a hora de eu permitir minha alma gritar.
Estava ansiosa, um pouco retraída, sabia que este caminho seria forte demais. Difícil demais.
Ali, vocês se encontraram pela primeira vez.
E, de acordo com sua expressão, a qual me recordo muito bem, acho que foi amor a primeira vista.

Chovia muito, ventava muito e vocês estavam completamente encobertos pelas nuvens.
Mas, eu te vi, como sempre.

-Mariana , Sendero Fitz Roy - El Chalten, 12/01/2011.