23 janeiro 2013

A Primeira Gelada em Chalten - (relato)




Há pelo menos seis anos tenho passado meus verões do hemisfério Sul na Patagônia. E, honestamente, nunca vi tempo tão bom e tanto calor como nestas últimas duas semanas. El Chaltén está "pegando fogo", cumes no cordão do Fitz e do Torre são escalados todos os dias e eu, evito a todo custo olhar a previsão do tempo para não "morrer de raiva"! Pois meu tempo de escalar em Chaltén terminou dia 01 de Janeiro, quando tive que voltar para trabalhar na Patagônia Chilena. 
Mas, mesmo não tendo boas condições para escalada em rocha e o melhor clima em Dezembro, eu aproveitei muito e tive experiências memoráveis. A primeira delas foi a escalada no Cerro Pollone.


Olhando para a Supercanaleta, Glaciar Fitz Roy

Foi voltando da escalada no Cerro Pollone que o canadense Maz Fisher, meu colega de trabalho, bateu esta foto.
Eu vinha caminhando pelo glaciar em um estado quase de transe, deixando-me absorver totalmente pela grandiosidade do lugar e do momento. Quando começamos a descer a via, Max falou que íamos parar somente na base da "Afanassief". Então, eu vinha caminhando no modo "automático". Parei na metade do glaciar para conversar glaciar para conversar com dois escaladores que estavam sentados, comendo, debaixo de uma pequena nevada que caía. Achei curioso ver aqueles dois rapazes muito tranquilos ali, contemplando a paisagem. Senti uma profunda paz em somente observar aquela cena e alguma ansiedade que ainda existia dentro me mim, se dissipou. Eles perguntaram de onde nós vínhamos e como era o caminho para descer para o Glaciar Torre pelo "Paso Del Hombre Sentado". Um deles era o Merlin Didier (com quem escalaria algumas semanas depois) e o outro, era o Stéphane Hanssens, ambos da Bélgica. 

Apesar de não gostar muito de escalar em neve em terreno inclinado e em gelo, a escalada do Cerro Pollone foi simplesmente fenomenal. Obviamente, esta realização somente veio dias após a escalada. Quando escalo este tipo de via me sinto muito desafiada física, mental e emocionalmente. Tenho que fazer um esforço para me manter em equilíbrio e auto-controle para não deixar que minha insegurança, desconforto e minha pobre competência neste tipo de terreno roube minha energia. Pois sei que, mesmo não gostando, eu amo escalar montanhas e sei que tenho que poupar energia para descer ou lidar com qualquer outro tipo de situação emergencial.

A aproximação para o Cerro Pollone é uma caminhada longa e linda. Desde Rio Elétrico para Piedra del Fraile, depois para Piedras Negras, depois para Paso Del Cuadrado e, depois mais 5 kilômetros noroeste no Glaciar Fitz Roy para a base da via no Cerro Pollone. Não sei quantos kilomêtros são ao total, talvez entre 17 a 20km.  Dormimos em Piedras Negras e no dia seguinte caminhamos, escalamos e voltamos. Uma outra boa opção seria dormir na base da "Afanassief" e caminhar somente os 5 km no glaciar.

A via "Cara Sur", 400m, 4, 65˚ começa em uma rampa de neve/gelo e cruza um bergschrund, que estava bastante coberto, pois, toda a montanha tinha muita neve! Depois segue por um couloir de gelo de 65˚-70˚. Tive bastante medo de cair e derrubar o Max, já que ele estava guiando este trecho. Pedi para ele fazer esticões, ao invés de continuarmos em simultâneo. A qualidade do gelo me lembrava uma escalada que tinha feito meses antes em Idaho, no Borah Peak, com um amigo, Frank Preston. Quando fincava meus piolets no gelo, um pedaço grande de gelo rompia e caía em cima de mim, aumentando minha insegurança. Claro que as experiências que tenho tido em gelo e neve nos últimos 4 anos aumentaram significativamente o meu nível de conforto, especialmente em Borah Peak (Idaho), North Ridge of Mount Baker (North Cascades, WA), Fremont Peak e, Gannett Peak (Wind Rivers Range, WY), Face Sul do Cerro Meliquina (Patagonia, Chile). Lembrava que já sabia o que fazer e tentava ficar mais tranquila e mais concentrada.

Nos trechos mais inclinados o gelo era exposto e nas outras partes a neve era tanta (no nível da coxa) que dificultava e tornava lenta nossa progressão. Eu sugeri, então guiar as partes mais cansativas e o Max, as partes mais técnicas.

"Cara Sur"- Cerro Pollone. Glaciar Torre atrás.

O tempo não estava estável. A visibilidade era o que mais comprometia a escalada. Muitas vezes, esperávamos por uma brecha onde pudéssemos ver alguma coisa na nossa frente.
Paramos mais ou menos na metade da via para comer um pouco e, esperar por visibilidade. Sugeri que esperássemos uns 30 minutos e, então, decidiríamos. Mas, estava frio e, passados 15 minutos, eu falei para o Max que eu ia continuar guiando e passar o outro bergschrund para tentar ver alguma coisa mais para cima.
Queria chegar ao cume e descer. Subi e fiz uma travessia em gelo para a esquerda até um bloco de pedra. As nuvens estavam chegando e eu escalava rápido querendo ver o que tinha para cima. Cheguei a tempo de ver mais ou menos a linha da via e, o tempo fechou. Fiz a segurança para o Max daquele bloco e quando ele chegou pensamos um pouco no que fazer. Ele tomou a mesma atitude que eu tive e disse: "Mita, eu vou escalando por uns 15 minutos ou até o meio da corda, e então, a gente avalia a situação novamente". Eu concordei. 
Não se enxergava absolutamente nada, mas já tínhamos visto que este trecho da escalada nem era neve, nem era gelo, era rime ice, ás vezes hard, outras vezes soft! Ou seja, um pouco mais complicado de escalar, especialmente para proteger devido à fragilidade do gelo.

Max fazendo minha segurança na parte de rime ice.

Enquanto o Max escalava em total whiteout, começou a ventar mais forte e as rajadas de neve no meu rosto me fazia ficar de cabeça abaixada. De repente, olho para cima para ver a progressão e vejo uma brecha de céu azul e toda a parede e o col para o cume! Falo: "Max, olha para cima!". Ele estava tão envolvido com a escalada que nem tinha se dado conta. 
Aquilo recarregou nossos ânimos e esperança em concluir a via. Uma vez que eu fui subindo o vento aumentou e, consequentemente, o frio também. Foram dois esticões em rime ice, sendo o último uma travessia para o saddle antes do cume. O Max estava entusiasmado com a escalada e enquanto dava segurança batia fotos do visual que estava atrás de nós: a incrível parede do Piergiorgio! 
Mas, quando eu cheguei na ancoragem, o vento já estava bem pior, o frio muito maior e, novamente a visibilidade nos afetava. Desta vez, não tínhamos muito tempo para esperar, pois ali, estávamos muito expostos. Em uma pequena brecha de visibilidade que tivemos, vimos o último esticão que nos restava para o cume: a rocha completamente coberta de rime e gelo! Avaliamos que nos tomaria pelo menos mais de uma hora para chegar ao cume. Eram quase 3 da tarde e decidimos começar os rapéis antes que o vento e visibilidade piorassem. 
Dias depois, conversando com o Colin Haley, ele me disse que não há segunda repetição desta via. E que ele mesmo já tinha solado esta via, mas não pôde fazer o cume também. 
Isto é El Chalten! Tão perto e tão longe! E, sobretudo, tão mágico!


A última travessia em rime ice. Piergiorgio Peak atrás! Lindo!




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